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Segurança

Veículos elétricos versus peões

inftransO sector automóvel é um daqueles onde os avanços tecnológicos se fazem sentir com maior intensidade, sobretudo mercê da introdução no mercado dos veículos elétricos. Como não poderia deixar de ser esta dinâmica teve implicações no domínio da segurança rodoviária, bem como no plano jurídico.

Uma das questões que se levantou foi o ruído habitualmente produzido pelos veículos com motor de combustão interna e que serve de aviso sonoro para os peões em geral e de uma forma especial para os utilizadores mais vulneráveis  (crianças, idosos, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência) e ciclistas, o qual foi eliminado nos veículos elétricos híbridos e nos exclusivamente elétricos. Para contornar este problema a indústria tem vindo a desenvolver sistemas de aviso sonoro de veículo (AVAS)[1].

Acresce que de acordo com o Código de Estrada, os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente. 

A este propósito, o Tribunal da Relação do Porto, num Acórdão de 14/07/2021 decidiu o seguinte:

“I – Atualmente o art.º 505º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que não implica uma impossibilidade absoluta e automática de concorrência entre a culpa do lesado (ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado) e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação do veículo.

II – Excecionalmente, em situações de especial vulnerabilidade das vítimas (peões, ciclistas) será de admitir o concurso da culpa da vítima com o risco próprio do veículo sempre que ambos colaborem na produção do dano, sem quebra ou interrupção do nexo de causalidade entre este e o risco pela conduta da vítima como causa exclusiva do evento lesivo. É necessário que o perigo latente no exercício desta atividade se desencadeie.

III – O risco não se presume. A não demonstração do nexo causal inviabiliza a pretensão do lesado à indemnização com base no risco, pois a responsabilidade objetiva pressupõe todos os requisitos da responsabilidade menos os da culpa e da ilicitude do facto.

IV – Nos veículos automóveis elétricos, a ausência do ruído (típico dos motores de combustão) e a sua reduzida utilização, leva facilmente os peões de normal condição a convencerem-se que à não audição de um ruído de motor de combustão corresponde a ausência de veículos, agindo descuidadamente em conformidade, nomeadamente ao iniciarem a travessia das faixas de rodagem.

V – Dependendo das circunstâncias de cada caso, não é de excluir a possibilidade de concorrência de culpa do peão no atropelamento que o vitimou mortalmente e o risco próprio da circulação de um veículo movido a energia elétrica, com motor silencioso.”

Manuel Ferreira dos Santos

____________________________________

[1] Sobre este tema: Regulamento (UE) n. °540/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 , relativo ao nível sonoro dos veículos a motor e dos sistemas silenciosos de substituição, e que altera a Diretiva 2007/46/CE e revoga a Diretiva 70/157/CEE.

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