Mercê de um conjunto de acontecimentos recentes, não poderia deixar de aludir a um texto de opinião intitulado “É fácil bater na polícia”, da autoria do juiz Manuel Soares.
Começa por mencionar um episódio em que o polícia hesitou ao ouvir a seguinte frase:“Bófia de merda, eu a ti vou-te chinar o pescoço”. Essa vacilação conduziu-o à urgência do hospital, sem que tivesse sido abertura de telejornal. Isto porque, “estamos formatados para culpar o polícia que pisa o risco; não para sermos solidários com o polícia que sofre violência”. Acresce que o polícia vive num dilema permanente, “se actua com diplomacia, arrisca levar uns murros ou pior. Se é mais prevenido e usa a força, o mais certo é acabar nas bocas do mundo acusado de brutalidade. Duma maneira ou doutra, a probabilidade do polícia apanhar é grande”.
De seguida, analisa o que se passou no Bairro da Jamaica, Seixal: a intervenção policial, a postura de alguns moradores, as condições miseráveis do bairro, os aproveitamentos que seguiram e a visita do Presidente da República. Fá-lo recorrendo ao conhecimento que tem daquela zona, pois foi ali juiz durante largos anos.
Quase a findar traz à colação algumas das dificuldades com que se deparam os polícias, nomeadamente os magros vencimentos (quase a serem nivelados pelo ordenado mínimo), as mortes em serviço, as agressões, os suicídios, a necessidade de uma segunda atividade profissional (com tudo o que isso implica), o recurso às pensões “manhosas” e aos carros para descansarem durante o tempo que a escala lhes deixa livre.
Termina com o seguinte parágrafo: “Se um Estado solidário não pode permitir bairros Jamaica, um Estado decente, que leva a sério a sua autoridade, também não pode tratar assim os polícias. É muito fácil bater-lhes. Mas não nos ficava mal dedicar-lhes também, de vez em quando, algum afecto”.
Manuel Ferreira dos Santos

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