Nos termos do n.º 1 do art.º 159.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02/12/89, as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico predeterminado à partida.
Neste contexto, num Acórdão de 07/07/2021, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:
I – Partindo da conjugação do disposto nos artºs. 1º, 4º e 159º da Lei do Jogo, Conde Fernandes, citado na sentença recorrida, esclareceu que “(…) «a esperança de ganho» caracteriza especificadamente as «modalidades afins» (artigo 159º), que radica no desconhecimento, pelo utilizador do bem que irá receber após a operação ou se algo irá receber («esperança»). Na diferença de valor dos bens distribuídos, pois pelo menos um deles terá de ter um valor superior ao da aposta paga («… de ganho»)”. É precisamente na diferença (para mais) de valor de alguns dos bens (prémios) distribuídos relativamente ao valor da aposta que reside a esperança de ganho de quem se dispõe a introduzir a moeda na máquina.
II – No caso em apreço, mediante a introdução de uma moeda de € 1,00 e após ser rodado um manípulo é emitido um talão, sendo a grande maioria deles em branco, que corresponde a uma pastilha elástica (de valor naturalmente inferior à aposta), sendo as restantes cores correspondentes a outros prémios, alguns dos quais bebidas alcoólicas, e entre estes, o de maior valor corresponde a uma garrafa de Chivas Regal. É precisamente nesta diferença desproporcional entre o valor dos prémios que reside «a esperança de ganho» do jogador e a natural compulsão para voltar a jogar (introduzir moedas de € 1,00), na esperança de que saia uma garrafa de Chivas Regal ou, pelo menos, uma das outras garrafas de valor bastante superior à aposta.
III – Ainda que o consumidor insira uma única moeda de € 1,00, é óbvio que existe um prejuízo económico, se sair um papel branco, que corresponde a uma pastilha elástica, de valor naturalmente inferior a € 1,00. Sendo certo ainda que, como se refere no relatório de exame de fls. 7 a 8 vº, a grande maioria dos papéis emitidos são de cor branca, caso em que o “apostador” perde sempre.
IV – Não é necessário apurar o concreto valor comercial de uma garrafa de Chivas Regal para se saber que é muito superior a € 1,00. É precisamente neste factor, na desproporção entre o prémio de menor valor e o de maior valor, que reside a esperança de ganho do apostador (que introduz a moeda na máquina) e a compulsão para voltar a introduzir moedas na esperança de que lhe saia a garrafa de maior valor do cartaz.
V – Tratando-se, como se viu, de uma aparelho/máquina que desenvolve uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar, por se tratar de uma operação oferecida ao público em que a esperança de ganho reside somente na sorte e que atribui como prémios coisas com valor económico predeterminado à partida (artº 159º da Lei do Jogo), a sua exploração estava dependente de autorização do presidente da respetiva câmara municipal (artº 160º), constituindo a sua violação contraordenação punível com coima de € 750,00 a € 3 740,98, no caso de pessoas singulares (artº 163º da mesma lei).
Manuel Ferreira dos Santos
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