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Investigação Criminal, Justiça

Interpretação e tradução em processo penal

Wook.pt - Código de Processo PenalDe acordo com o art.º 92.º do Código de Processo Penal, nos atos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade. Mas, quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada. Além disso, o arguido pode escolher, sem encargo para ele, intérprete diferente do previsto no número anterior para traduzir as conversações com o seu defensor.

Neste domínio, ainda temos de ter em linha de conta as Diretivas n.ºs 2010/64/EU (relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal) e n.º 2012/13/EU (relativa ao direito à informação em processo penal) do Parlamento Europeu e do Conselho.

A este propósito, num Acórdão de 02/08/2022, o Tribunal da Relação de Évora decidiu o seguinte:

I – Encontrando-se verificados todos os requisitos dos quais depende a atribuição de efeito direto vertical às Diretivas e considerando o primado do Direito da União, somos a concluir que as Diretivas n.ºs 2010/64/EU e n.º 2012/13/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, concretamente as normas constantes dos artigos 1º a 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU e 3º da Diretiva n.º2012/13/EU, têm efeito direto vertical em Portugal, pelo que poderão ser aplicadas nos presentes autos, impondo-se e prevalecendo sobre o direito interno.

II – Todos os atos processuais levados a efeito nas fases preliminares do processo penal com intuito eminentemente informativo e concretizador das garantias de defesa dos arguidos deverão ser objeto de tradução para língua dominada pelos seus destinatários, sob pena de total esvaziamento dos referidos atos, que, praticados no processo sem tradução, mais não assegurariam do que o cumprimento estritamente formal de normas processuais, sem qualquer correspondência material no que diz respeito aos fins que visam prosseguir.

III – Entre os referidos atos – e pese embora o único artigo do CPP português que prevê o direito à tradução, o artigo 92º, não os contemple em previsão expressa – contam-se, indubitavelmente, pela sua importância ao nível das garantias de defesa dos arguidos, decorrente das informações processuais que aportam, a prestação de Termo de Identidade e Residência realizada nos termos 196º do CPP, a notificação do arguido nos termos do artigo 495º, nº 2 do CPP e a notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, atos que deverão ser qualificados como «documentos essenciais» na aceção do artigo 3.°, n.ºs 1 e 2, da Diretiva 2010/64.

IV – A imperatividade resultante da aplicação das normas das Diretivas e da Jurisprudência do TJ, atendendo ao princípio do primado do Direito da União reconhecido pelo artigo 8º, nº 4 da CRP, implica a desaplicação de todas as normas do direito nacional que se revelem contrárias ao consagrado nos referidos atos da União, o que, no que à economia do caso dos autos diz respeito, determina a desaplicação do regime da sanação das nulidades estabelecido pelo artigo 120º, nº 3 do CPP aplicado na decisão recorrida, em virtude de o mesmo se não revelar compatível com os direitos fundamentais a um processo equitativo e com o respeito pelos direitos de defesa decorrentes dos artigos 47.° e 48.°, n.° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como do artigo 6.° da CEDH, à luz dos quais deverão ser interpretados os artigos 2.°, n.° 1, e 3.°, n.° 1 da Diretiva 2010/64, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2012/13.

Uma questão muito pertinente,  porque como escreveu José Van Der Kellen, “a posição geográfica de Portugal torna-o num país procurado por quem se dedica a actividades ligadas à imigração ilegal e à falsificação de documentos assim como por toda uma série de criminalidade conexa aos fluxos migratórios irregulares”, bem patente nas recentes suspeitas de  multiplicação de redes ilegais e de exploração laboral

Sousa dos Santos

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