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Justiça

O Ministério Público e a corrupção

O Ministério Público (MP) representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a ação penal orientado pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do respetivo Estatuto e da Lei. Por outro lado, o MP goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, a qual se caracteriza pela sua vinculação a critérios de legalidade e objetividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às diretivas, ordens e instruções previstas na presente lei.corrupção. Imagem 4 de 4

O princípio da legalidade da iniciativa, relativo à promoção processual penal, significa que o MP, para além de deter (em regra) o monopólio de abertura do processo penal (princípio da oficialidade), está vinculado a agir processualmente sempre que adquire notícia do crime. Isto é, o MP sempre que adquire conhecimento da prática de um crime (por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia) é obrigado, em regra, a proceder à abertura de inquérito, como decorre dos arts. 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 262.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), sendo de rejeitar juízos de oportunidade ou conveniência neste domínio. Este princípio não é absoluto, mas comporta limites, seja quanto à condução do processo penal, seja quanto ao controlo das decisões proferidas pelo MP. Por um lado, o princípio da legalidade da iniciativa não significa que todos os arguidos que sejam indiciados pela prática de um crime tenham de ser necessariamente acusados e sujeitos a julgamento, podendo o MP, findo o inquérito, arquivar o processo (arts. 277.º e 279.º do CPP). Por outro lado, o controlo das decisões proferidas pelo MP pode ser realizado através de uma via “interna” (hierárquica) ou judicial, como ocorre no fim do inquérito, com a intervenção hierárquica ou a abertura de instrução, respetivamente (arts. 278.º e 286.º e segs. do CPP).

Nos termos da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro (Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira), compete ao MP e à Polícia Judiciária, através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, realizar, sem prejuízo da competência de outras autoridades, ações de prevenção neste domínio. Estas ações de prevenção previstas compreendem, designadamente:

  • A recolha de informação relativamente a notícias de factos susceptíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime;
  • A solicitação de inquéritos, sindicâncias, inspeções e outras diligências que se revelem necessárias e adequadas à averiguação da conformidade de determinados atos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas;
  • A proposta de medidas susceptíveis de conduzirem à diminuição da corrupção e da criminalidade económica e financeira.

Vem isto a propósito de uma entrevista publicada no Público, onde, a dado passo, a antiga procuradora Teresa Almeida [1] defende que o MP só deve investir em casos em que é possível obter condenação e teme que se esteja “a alimentar um monstro de teias de investigações e suspeitas de que tudo é corrupção”. “O Ministério Público só pode investir em casos em que é possível obter condenação”, referindo que neste domínio o princípio da legalidade obriga a iniciar uma investigação, a abrir um inquérito quando há uma suspeita com um mínimo de fundamento de que alguém praticou um crime, devendo-se efetuar aquilo que denomina de apreciação prévia.

A este respeito, de acordo com os últimos dados disponíveis, entre 1 de janeiro e 23 de novembro de 2023 foram registados 4.631 novos inquéritos relativos a crimes de corrupção e criminalidade conexa, tendo sido proferido  foi proferido despacho de acusação em 191 inquéritos, aplicada a suspensão provisória do processo em 27 casos e arquivados 1.521 inquéritos, pelo que ainda aguardam decisão 2.892 inquéritos. Como afirmou Manuel Soares, presidente da Direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, “nem todas as investigações chegam ao fim com êxito nem rapidamente porque é um crime de difícil investigação”.

Por sua vez, o número de denúncias recebidas através da aplicação “Corrupção: Denuncie Aqui”, disponível no Portal do Ministério Público, foi de 1.748, dando origem a uma averiguação preventiva e 137 inquéritos. O número de inquéritos instaurados corresponde a uma percentagem de cerca de 8,2% face ao número de denúncias analisadas.

É de referir que em 2022 foram julgados 119 arguidos pelo crime de corrupção, tendo sido condenados 87.

Por fim, nos termos da Lei de Política Criminal (Biénio 2023-2025), os crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento, peculato e participação económica em negócio são crimes de prevenção e investigação prioritária. A Diretiva n.º 1/2023 – Diretivas e Instruções Genéricas para Execução da Lei de Política Criminal para o Biénio 2023/2025, também se debruça de forma pormenorizada sobre este tipo de criminalidade.

L.M.Cabeço

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[1] – Uma excelente entrevista cuja leitura recomendamos vivamente, e onde além da questão da corrupção, são abordados, entre outros, temas como a lentidão da Justiça, os recursos, a instrução, os megaprocessos.

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