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Defesa

Defesa Nacional – a mitigação da rejeição

A defesa nacional tem por objetivos garantir a soberania do Estado, a independência nacional e a integridade territorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a proteção dos valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça externas, assegurando ainda o cumprimento dos compromissos internacionais do Estado no domínio militar, de acordo com o interesse nacional.IDN

Nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Defesa Nacional, a defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses, sendo o serviço militar regulado por lei, a qual fixa as formas, a natureza voluntária ou obrigatória, a duração e o conteúdo da respetiva prestação.

Atualmente, o serviço militar baseia-se, em tempo de paz, no voluntariado. Contudo, os cidadãos sujeitos por lei à prestação do serviço militar podem, excepcionalmente, ser convocados para as Forças Armadas em tempo de paz, nos termos previstos na lei que regula o serviço militar.

Ao que consta, «três em cada quatro jovens que participam no Dia da Defesa Nacional rejeitam defender o País». O Dia da Defesa Nacional foi instituído em 2004 como dever militar e de cidadania. Este dia visa sensibilizar os jovens para a temática da Defesa Nacional e divulgar o papel das Forças Armadas, permitindo uma maior aproximação entre a sociedade civil e a instituição militar, constituindo hoje em dia por vezes a única ocasião de contacto direto da juventude com as Forças Armadas Portuguesas. 

De referir que se chegou a este patamar depois de se ter abandonado o Serviço Militar Obrigatório (SMO) em 2000 (com um período transitório até 2004), passando a existir as seguintes modalidades:

  • Recrutamento Normal para a prestação voluntária do serviço militar em Regime de Contrato e Regime de Voluntariado.
  • Recrutamento Especial para a prestação voluntária de serviço militar nos Quadros Permanentes das Forças Armadas.
  • Recrutamento Excecional, para efeitos de convocação ou mobilização dos cidadãos (em caso de guerra ou catástrofe).

Este quadro, tal como esclarece o Tenente-General Formeiro Monteiro[1], num excelente artigo publicado na Revista Militar, teve na sua génese, “as alterações geopolíticas ocorridas, entretanto, no leste da Europa, realidade que as democracias liberais do continente, na urgência de colher os denominados dividendos da paz, aproveitaram para deslegitimar técnica, económica, sociopolítica e geoestrategicamente o modelo das Forças Armadas de conscrição”.

Sobretudo no Recrutamento Normal, as Forças Armadas debatem-se com problemas de atratividade, pois têm de  captar os seus próprios recursos humanos, concorrendo diretamente no mercado de trabalho com outras entidades empregadoras, pelo que como refere o Tenente-General Joaquim Formeiro Monteiro, no citado artigo, torna-se necessário o debate sobre a questão do SMO. 

Por seu turno, José Conde Rodrigues [2], no Público, também se debruçou sobre esta temática, lançando o desafio do ressurgimento do SMO, tendo em conta “um tempo novo em que, não só as ameaças e os grandes riscos em matéria de defesa e segurança não desapareceram, como, pelo contrário, cada vez mais ensombram o espaço europeu”.

O fim do SMO estabeleceu um corte entre as Forças Armadas e a generalidade dos cidadãos, passando a ser considerado, por alguns, como algo dispensável e onde, por conseguinte, não fazia sentido continuar a investir. Perdeu-se a noção da importância deste pilar fundamental, deixou-se de o reconhecer como tal, esfumou-se o sentimento nacional de missão, o sentimento de pertença à Pátria (existência física e espiritual, territorial e cultural da coletividade nacional), e o sentimento de prestação à comunidade de um serviço de natureza especial, tudo num ambiente em que há uma notória incapacidade de lidar com a adversidade e responder a desafios.

Aqui chegados, e uma vez que não restam dúvidas que o modelo vigente é inadequado e não satisfaz as necessidades, achamos que não é despiciendo seguir o sistema que vigora na Noruega, onde os cidadãos são convocados em massa, mas apenas uma determinada percentagem é selecionada para a formação. Assim, tal como descreve Rui Manuel da Silva Ferreira [3], a conscrição funciona como  instrumento para garantir que os efetivos, necessários à profissionalização das suas forças, são recrutados a partir dos jovens mais qualificados e motivados do país e, simultaneamente, através desta livre escolha por parte dos cidadãos de, voluntariamente, se aproximarem da organização militar, minimizando a conotação que o SMO possa ter de obrigatoriedade e penosidade”, com vantagens “em termos de adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade”.

Trata-se assim de um “modelo mitigado” de conscrição que deve ser conjugado com profundas alterações naquilo que atualmente é designado como Dia da Defesa Nacional. Seguimos ainda a linha de Rui Ferreira, sugerindo-se a criação de um serviço cívico obrigatório, envolvendo áreas relacionadas com a segurança e bem-estar e apoio ao desenvolvimento das populações”, perspetiva que já defendemos a propósito dos incêndios rurais. Todo este quadro deve ser rodeado de um efetivo sistema de incentivos. Só desta forma será possível “uma valorização cívica abrangente das sucessivas gerações de jovens” e mitigar a atual rejeição em relação à Defesa Nacional.

Sousa dos Santos

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[1] – Monteiro, Joaquim Formeiro, 2018. O serviço militar em Portugal. O debate necessário. Disponível em https://www.revistamilitar.pt/artigo/1295 .

[2] – Rodrigues, José Conde, 2023. Serviço militar obrigatório, porque não? Disponível em https://www.publico.pt/2023/10/06/opiniao/opiniao/servico-militar-obrigatorio-nao-2065745

[3] – Ferreira, Rui Manuel da Silva, 2017. O Serviço Militar Obrigatório. Perspetivas futuras. Disponível em https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/24551 .

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