Neste dia 11 de setembro, recordamos duas tragédias que, embora separadas por 16 anos e milhares de quilómetros, expuseram fragilidades na resposta a catástrofes e a importância das ciências forenses.
A primeira delas, mais antiga e em território nacional: o acidente ferroviário de Alcafache. Trata-se do maior evento desta natureza em Portugal, ocorreu na Linha da Beira Alta (via única), entre as estações de Nelas e Alcafache, no concelho de Mangualde. Dois comboios colidiram frontalmente. 
Terá resultado de uma série de falhas e erros humanos no sistema de controlo e sinalização de tráfego, que nessa época assentava no telefone e em registos manuais.
Após o acidente instalou-se o caos, as composições incendiaram-se muitos passageiros ficaram presos nos destroços e alguns deles não conseguiram escapar das chamas e do fumo. Além dos danos, houve feridos e vítimas mortais.
Nunca se conseguiu apurar com exatidão o número de mortos, ao que consta terão sido entre 150 a 170, “há corpos que nunca foram identificados, restos mortais confundidos com destroços e fragmentos humanos que ficaram em frigoríficos durante anos”.
Esta ocorrência expôs os graves problemas existentes no sistema ferroviário português, pondo em marcha um processo de modernização que ainda não está concluído. Saltaram ainda à vista fragilidades na operação de socorro que se seguiu mercê dos meios disponíveis para aceder ao local e para operar num evento destas dimensões. Não se pode também deixar de registar as limitações que havia nessa época em termos de recuperação de restos mortais e as dificuldades de identificação de vítimas. Desde então, registaram-se significativos progressos nesta matéria.
No plano internacional temos os atentados terroristas do 11 de setembro. Uma série de quatro ataques terroristas suicidas orquestrados pela organização jihadista islâmica Al-Qaeda contra os Estados Unidos. Dois aviões foram lançados contra o World Trade Center (WTC) em Nova Iorque. Um terceiro contra o Pentágono. O quarto caiu num campo da Pensilvânia.
Além da destruição, desta catástrofe resultaram milhares de feridos e perto de 3000 mortos. Depois desta data, muitos analistas e comentadores anunciaram o nascer de uma nova era nas relações internacionais.
Após o atentado, desencadeou-se uma das maiores operações de socorro e identificação de vítimas da história dos EUA. Um número muito significativo de vítimas ficou por identificar (cerca de 40% no WTC), apesar dos avanços científicos. Ainda hoje continuam a fazer-se esforços nesse sentido. Daí que recentemente tenham sido identificadas três vítimas mortais através do ADN e da colaboração de familiares das vítimas.
A identificação de vítimas de catástrofes depende de diversas condicionantes, de onde sobressaem o estado dos cadáveres, o tempo de exposição ao ar livre e a influência do ambiente envolvente, os dados de identificação recolhidos, e a exequibilidade de aplicação de determinados métodos de identificação, os quais devem assentar no rigor científico, aplicabilidade prática, e rapidez de implementação.
Para o efeito recorre-se à genética forense, à medicina dentária forense, à lofoscopia e à autópsia médico-legal. E, de forma acessória ao reconhecimento visual e aos objetos pessoais, não sendo admissível, nesta matéria, o recurso, em exclusivo, a fotografias e imagens vídeo das vítimas, reconhecimento visual, nem aos documentos e objetos pessoais encontrados na sua posse ou nas imediações.
Em Portugal, neste domínio, desempenha um papel preponderante o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF). Se dúvidas houvesse sobre isso, ficaram totalmente dissipadas com a intervenção deste organismo, tanto com o incêndio de Pedrógão como com o acidente da Calçada da Glória.
Por isso, não poderíamos deixar de dar nota da realização do 23.º Congresso Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, entre 16 e 18 de outubro no Centro de Congressos de Aveiro.
Tal como consta da mensagem do presidente do INMLCF, “este evento constitui o maior encontro de profissionais da área de Medicina Legal e Ciências Forenses no nosso país, reunindo desde os mais jovens médicos internos até aos aposentados, além de colegas de diversas instituições parceiras, como a Polícia Judiciária, tribunais, universidades, hospitais, sociedades científicas, ordens profissionais e muitas outras”.
As tragédias de Alcafache e do 11 de setembro, embora separadas no tempo e no espaço, encerram uma lição: a dimensão humana de uma catástrofe vai muito além da contagem de vítimas. Expuseram vulnerabilidades e serviram como marcos na evolução dos mecanismos de resposta.
Enquanto o desastre de Alcafache revelou as fragilidades do sistema ferroviário, de socorro e de identificação, os ataques terroristas de 11 de setembro mostraram que mesmo os países que dispõem de meios mais sofisticados podem debater-se com desafios sem precedentes diante de uma determinada escala de destruição.
Nestas situações, a medicina legal e as ciências forenses emergem como ferramentas essenciais na identificação das vítimas mortais para que possam ser entregues aos familiares e contribuindo para a resolução de uma série de questões jurídico-legais associadas. A identificação pós-catástrofe não é apenas um exercício técnico-científico, mas sim um imperativo ético e social que sublinha a necessidade contínua de investimento na investigação científica, na formação e na cooperação institucional.
Pedro Murta Castro

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