Descontrolo, sobrelotação e falta de recursos humanos expõem um sistema prisional num ponto crítico.
Falhas que abalam a credibilidade
A sucessão de acontecimentos a que temos vindo a assistir nas prisões portuguesas revela um quadro de instabilidade e, nalguns casos, de verdadeiro descontrolo. Em setembro deste ano, um homem foi detido
por ter entrado ilegalmente no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, introduzindo telemóveis no interior. Agora, o episódio repete-se: um intruso conseguiu novamente penetrar no mesmo estabelecimento, transportando telemóveis, droga e até uma corda, que acabou por atirar para dentro de uma camarata. Para além do insólito da situação, trata-se de uma falha grave. Quando a fronteira entre o interior e o exterior de uma prisão se torna permeável, o sistema prisional perde a sua credibilidade e a confiança pública é abalada.
Diversidade sem resposta
Paralelamente, outro caso veio expor as fragilidades de um sistema que não está preparado para lidar com a diversidade de identidades e necessidades dos reclusos. No início desta semana, uma reclusa transgénero, transferida para Estabelecimento Prisional (EP) de Tires depois de ter agredido dois guardas e uma outra reclusa no EP de Santa Cruz do Bispo, terá alegadamente provocado um incêndio. O incidente obrigou à evacuação parcial do estabelecimento e à hospitalização de seis pessoas devido à inalação de fumo. Este episódio ilustra a ausência de protocolos claros, de formação específica para os guardas e de infraestruturas adaptadas, criando um ambiente propício ao conflito e, inevitavelmente, à insegurança dentro dos muros das prisões.
Problema estrutural, resposta reativa
Não se trata, contudo, de um problema exclusivamente português. Outros países enfrentaram dilemas semelhantes e optaram por rever políticas e práticas prisionais, adaptando as estruturas às realidades sociais contemporâneas. Em Portugal, porém, a resposta tem sido frequentemente reativa e casuística: transfere-se o “problema” para uma prisão de alta segurança ou para uma unidade de saúde mental, em vez de se repensar o modelo de base.
O peso da sobrelotação
Entretanto, o EP de Lisboa, símbolo máximo da obsolescência e degradação do sistema, não encerrará, ao contrário do que estava previsto, devido ao aumento da população reclusa: mais 654 pessoas do que no ano passado. A sobrelotação agrava as tensões, compromete a segurança e torna praticamente impossível qualquer objetivo de reinserção social.
Falta de guardas, falta de atratividade
Face à carência de recursos humanos, foi ventilada a intenção de alargar a idade de ingresso na carreira de guarda prisional (dos 18 para os 35 anos). Trata-se de uma medida paliativa, que reconhece implicitamente a falta de atratividade e as condições adversas da profissão. No último concurso, das 225 vagas abertas, apenas 58 candidatos iniciaram o curso. Os dados falam por si: trabalhar nas prisões portuguesas tornou-se uma “missão quase impossível”.
Prisões como depósitos de exclusão
As prisões transformaram-se em depósitos de exclusão social, onde se acumulam problemas de saúde mental, dependência, pobreza e discriminação. Sem investimento estrutural, sem uma revisão profunda de políticas e sem a humanização das condições de reclusão, o sistema não cumpre a sua função essencial: garantir segurança e, simultaneamente, promover a reintegração social dos reclusos.
Urgência de uma reforma profunda
O sistema prisional português encontra-se, pois, num ponto crítico. Não bastam remendos administrativos ou medidas de emergência. É urgente uma reforma profunda que una segurança, dignidade humana e eficácia institucional. Ignorar o problema é perpetuar o colapso anunciado.
L.M.Cabeço

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