Abriram recentemente dois procedimentos concursais para a Guarda Nacional Republicana (GNR). Um deles para a admissão ao Curso de Formação de Guardas (CFG) da GNR – serviços de músico, e de corneteiro e clarim. O outro para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao CFG da GNR – Armas.
Mercê de um conjunto de fatores sobre o qual já nos debruçamos anteriormente o número de candidatos para ingresso nas carreiras de base das Forças de Segurança portuguesas tem vindo a diminuir drasticamente.
Em 2012 a GNR registou 10.787 candidatos e a Polícia de Segurança Pública (PSP) 10.686. Por sua vez, no ano passado, concorreram à GNR 3200 candidatos (664 aprovados) e à PSP 2.800 (528 aprovados).
A Guarda Civil é uma Força de Segurança espanhola, tal como a GNR tem natureza militar, sendo uma das suas forças congéneres na Europa e “la Institución más valorada por los españoles en los últimos años”. Segundo os dados disponíveis, no último concurso de acesso, para 3118 vagas prestaram provas escritas 27614 candidatos. É de salientar que em cada três candidatos um possui diploma universitário.
Mesmo se levarmos em linha de conta a dimensão do universo de recrutamento espanhol, estes números exigem bastante reflexão e uma análise profunda à perda de atratividade das Forças de Segurança em Portugal, nomeadamente sobre as condições de trabalho e o prestígio da carreira (v.g. baixos salários, carga horária excessiva, falta de meios, riscos elevados, escassa valorização social, agressões em serviço sem uma resposta eficaz por parte da Justiça).
Um Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03/06/2025, é bastante ilustrativo sobre os “arames de tropeçar” que se podem atravessar no caminho de um militar da GNR ou de um polícia da PSP:
I – A atuação do arguido, neste caso concreto, perpetrada dentro do posto da GNR, ao desferir uma “chapada” nas costas de um militar da GNR, quando este, devidamente uniformizado, se encontrava a preencher os “talões” do alcoolímetro, de costas para si, não implica, perante as demais circunstâncias provadas, a existência de especial censurabilidade ou perversidade, de molde a justificar a qualificação do crime de ofensa à integridade física praticado.
II – A ação em causa não está conexionada com qualquer profundo desrespeito do arguido pela autoridade policial, ou com um especial desprezo para com a função da vítima, porquanto a própria vítima, em julgamento, não asseverou a violência da agressão, sendo certo ainda que o militar em questão não sofreu quaisquer dores ou ferimentos (“caiu” sobre a mesa – e não ao chão – por ter sido apanhado “desprevenido” e não pela força exercida pelo arguido com a “chapada” desferida nas suas costas).
III – Atendendo a que a agressão física incidiu sobre um militar na GNR, no exercício das suas funções, o crime cometido (ofensa à integridade física simples) reveste natureza pública (artigo 143º, nº 2, do Código Penal), não admitindo desistência da queixa.
Torna-se evidente que a perda de atratividade das Forças de Segurança em Portugal não é apenas uma questão de números de candidatos, mas reflete um problema estrutural mais profundo, ligado à valorização profissional, às condições de trabalho e ao reconhecimento social da função policial e militar.
Enquanto noutros países, como Espanha (poderíamos apontar outros exemplos), estas instituições são vistas como pilares fundamentais da sociedade e conquistam elevado prestígio junto da população, em Portugal os profissionais continuam a enfrentar fragilidades que comprometem a sua motivação e dedicação.
Desta forma, é urgente e inadiável repensar as políticas de recrutamento, a remuneração, a formação e a proteção legal. Caso contrário, compromete-se seriamente a capacidade operacional destas forças e, em última instância, a própria segurança pública.
Sousa dos Santos

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