Inicialmente a utilização da videovigilância e dos meios tecnológicos conexos estava associada à segurança e ao controlo físico de pessoas e bens, sobretudo na vertente de prevenção criminal. Mas rapidamente saltou estes limites em direção ao mundo empresarial para gerir acessos, mitigar a fraude, controlar mercadorias, otimizar espaços comerciais, entre muitos outros fins.
Pelo que entrou em definitivo no nosso dia-a-dia, sendo comum confrontarmo-nos com sistemas desta natureza espalhados um pouco por todo o lado, nos centros comerciais, nos espaços públicos, nas nossas casas e até no local de trabalho, tendo neste último caso levantado diversas questões resultantes do entrecruzamento de diversos direitos.
Em regra, o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho[1], mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
Contudo, a utilização deste tipo de equipamentos é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem (v.g. bombas de combustível e instalações bancárias). Nesse caso, o trabalhador deve ser informado sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, e obtida autorização junto da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Deste tema trata Miguel Basto, num estudo dedicado à (i)legalidade da utilização de meios de vigilância eletrónica (para controlo do desempenho profissional do trabalhador).
Ainda muito recentemente o Tribunal da Relação de Coimbra, se pronunciou sobre esta questão, tendo decidido que “estando em causa a proteção e segurança de pessoas e bens, as atuações ilícitas do trabalhador lesivas de pessoas e bens podem ser licitamente verificadas, tanto quanto o podem ser idênticas condutas de terceiros, como uma consequência fortuita ou incidental da utilização dos meios de vigilância à distância, podendo os dados obtidos servir de meio de prova em procedimento disciplinar e no controlo jurisdicional da licitude da decisão disciplinar”[2].
No que se refere às entidades empregadoras que pretendam utilizar tecnologias de geolocalização em veículos automóveis no contexto laboral, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) na Deliberação n.º 7680/2014, de 28 de outubro, a CNPD aprecia o uso de dispositivos de geolocalização instalados em veículos e em dispositivos móveis inteligentes, como os telemóveis ou os computadores portáteis, e estabelece os fins específicos e as condições em que se admite os tratamentos de dados pessoais.
Nesta deliberação determina-se que:
- As entidades empregadoras devem, antes de tudo, avaliar o impacto da utilização das tecnologias na privacidade dos trabalhadores e recorrer aos meios mais adequados e menos intrusivos para alcançar os legítimos objetivos da organização.
- A instalação de dispositivos de geolocalização e o tratamento de dados pessoais que envolve devem ser sempre precedidos de consulta e informação transparente aos trabalhadores sobre os fins e os meios utilizados, não lhes devendo ser submetido para assinatura qualquer termo de aceitação da tecnologia ou das condições, pois o consentimento do titular dos dados não é neste âmbito um fundamento de legitimidade válido, sem prejuízo de poder ser submetido a assinatura dos trabalhadores documento comprovativo de que lhes foi prestado o direito de informação.
- Nos termos dos artigos 27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 1, alínea a), da LPD, em conjugação com o disposto no artigo 21.º, n.º 1, do CT, as entidades empregadoras, enquanto responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, devem proceder à sua notificação com vista à obtenção da competente autorização por parte da CNPD.
Em suma, nestas situações o ponto de equilíbrio consubstancia-se na compatibilização entre os fins pretendidos (segurança, proteção de pessoas e bens) e o mínimo de intrusão na esfera privada dos sujeitos visados por forma a evitar qualquer tentação de utilização ilícita dos dados obtidos.
J.M.Ferreira
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[1] Art.ºs 20.º e 21.º do Código do Trabalho.
[2] A este propósito: Utilização de imagens – videovigilância no local de trabalho.
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