Na capa do Público anuncia-se que Polícias lideram suspeitas de corrupção na Administração Central. Ao folhearmos o jornal, encontramos a notícia lendo-se no seu título que “Forças de segurança lideram suspeitas de corrupção na administração central”.
Este quadro suscitou-me alguma curiosidade e fui consultar o relatório do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), tendo constatado que:
- Em 2019, foram comunicadas ao CPC 783 “decisões judiciais”. Este conceito pode-nos levar a concluir que houve nesse ano esse número de condenações. Mas não. Esse quantitativo engloba as aberturas de inquérito, os arquivamentos, as acusações, as suspensões provisórias do processo e as condenações.
- Depois, desse universo, 246 casos são relativos à Administração Central, cabendo, neste universo, às Forças de Segurança 88. Voltamos a frisar que este número não está relacionado com condenações efetivas na sequência de uma sentença judicial e que há uma infinitude de motivos que podem estar na génese de uma denúncia deste tipo de crime ou outros conexos[1].
- O que se vem a confirmar mais à frente, num outro quadro, onde se constata que desses 88 casos apenas em 25 foram indiciadas práticas delituosas. Contudo, dos indícios à condenação vai um grande passo, desconhecendo-se, porque não é discriminado no relatório o número de aberturas de inquérito, acusações, arquivamentos, suspensões provisórias do processo e condenações que está associado a estes casos.
Quero vincar que os elementos das Forças de Segurança estão perfeitamente conscientes dos seus deveres nesta matéria, decorrendo a “tentação” de uma multiplicidade de fatores. Além disso, não quero branquear as situações de corrupção que efetivamente existem, merecedoras do meu total repúdio. Pretendo, apenas, contrariar algum sensacionalismo da notícia, a qual é suscetível de transmitir, para os mais incautos, a ideia, errada, de que, em Portugal, o maior foco de corrupção está nas Forças de Segurança.
Por fim, tal como escrevi em 2014, citando Susan Rose–Ackerman, para contrariar a tal “tentação” deve-se dar condições de trabalho, incentivar ao bom desempenho, pagar ordenados dignos, estabelecer regras de conduta, reduzir a burocracia e os procedimentos administrativos, fiscalizar, supervisionar, atuar de forma célere logo que as situações de corrupção sejam detetadas, e investir em campanhas de informação para que haja consciência do problema, dos seus custos e da sua ilicitude.
Manuel Ferreira dos Santos
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[1] Note-se que a Administração Local ostenta a maior fatia com 328 “decisões” (um número maior que a central), outros organismos sob tutela pública 189 e Administração Regional Autónoma 20.
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