O artigo 148.º do Código da Estrada determina que a prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, implica a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:
a) A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, utilização ou manuseamento continuado de equipamento ou aparelho nos termos do n.º 1 do artigo 84.º, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;
b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.
A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
a) Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
b) Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;
c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.
Relativamente a esta última questão, o Tribunal da Relação do Porto, num Acórdão de 22/02/2023, decidiu o seguinte:
I – Tal como o Tribunal Constitucional vem decidindo, o regime de cassação (automática) previsto no artigo 148.º, n.º 2, alínea c), do Código da Estrada, não é inconstitucional, designadamente por violação de princípios consagrados nos artigos 18.º, n.º 2 (proporcionalidade e respetivos subprincípios), 29.º, n.º 5 (proibição do bis in idem), e 30.º, n.º 4 (proibição de efeitos automáticos das penas), da Constituição da República Portuguesa.
II – Da exigência de que o decretamento da cassação prevista na citada norma legal seja «ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução» (n.º 10 do mesmo preceito), não pode retirar-se qualquer exigência de que essa mesma cassação seja sujeita ao sopeso (necessariamente subjetivo) de quaisquer fatores relativos às infrações praticadas e ao respetivo agente.
III – A maior ou menor necessidade que o condutor porventura tenha de exercer a condução rodoviária não releva – também por falta de previsão legal que o consinta – para a conformação das consequências fixadas no citado artigo 148.º, n.ºs 4, alínea c) (cassação do título de condução), e 11 (impossibilidade de obtenção de novo título de condução antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação), do Código da Estrada.
Por fim, é de referir que no citado Acordão do Tribunal Constitucional (154/2022), o qual não julgou inconstitucional a norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, se menciona que:
- O mecanismo previsto no artigo 148.º, n.º 4, comporta um escalonamento progressivo de consequências, em virtude das sucessivas subtrações de pontos que se forem sucedendo e que podem ser mitigadas pelas medidas aí previstas ou pelo mero decurso do tempo sem a prática de infrações.
- Tal evidencia que a decisão de cassação supõe um juízo próprio, distinto daqueles que estiveram na base das infrações às quais a lei associa a perda de pontos, juízo esse que, ainda que determinado exclusivamente pela aritmética da perda de pontos, incide precisamente sobre as condições de aptidão do visado para o exercício da condução. Não se trata, pois, de nenhum efeito automático da condenação penal, mas de um efeito jurídico produzido num ambiente normativo diverso e obediente a uma teleologia própria.
- É de reconhecer que a cassação do título de condução se traduz numa inadmissibilidade de conduzir na via pública os veículos para os quais tal título habilitava o seu titular e que essa proibição é passível de dificultar o exercício de uma variedade de atividades, designadamente laborais.
- Porém, da circunstância de ter esses efeitos, que são inerentes à própria natureza da medida de cassação e sem os quais as finalidades que presidem à sua aplicação se esvaziariam, não se segue que a cassação seja um efeito automático de uma pena; ou que a cassação, por sua vez, implique a perda de quaisquer outros direitos que não o de conduzir na via pública os veículos mencionados no título cassado.
- Para além disso, reitere-se que a aplicação da medida de cassação se inscreve num sistema gradativo de consequências, que comporta vários elementos de ponderação em favor e desfavor do condutor, pelo que está longe de poder ser vista, mesmo no ambiente normativo em que se insere, como de aplicação puramente automática.
L.M.Cabeço
Discussão
Ainda sem comentários.