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Investigação Criminal, Justiça

Mandado de detenção fora de flagrante delito

Nos termos do art.º 254.º do Código de Processo Penal, a detenção [1] é efetuada:direito

  • Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coação; ou
  • Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em ato processual.

As autoridades de polícia criminal podem ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:

  • Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
  • Existirem elementos que tornem fundados o receio de fuga ou de continuação da atividade criminosa; e
  • Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.

Em torno desta questão, num Acórdão de 12/07/2023, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

I – É requisito comum às situações de flagrante delito impróprio (artigo 256.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) a existência de uma «relação contextual» entre o início da «persegui[ção]» ou o ulterior «encontra[r] com objetos ou sinais», que permita ligar, de forma inequívoca, os factos delituosos porventura em causa com o seu (suposto) agente.

II – Não constitui «perseguição», na aceção do artigo 256.º, n.º 2, 1.ª alternativa, do Código de Processo Penal, a mera realização, por parte das autoridades policiais, e após a ocorrência dos factos delituosos de que se trate, de diligências de investigação, ainda que na sequência destas venha a tornar-se possível a ulterior detenção e identificação do (suposto) responsável pela prática de tais factos.

III – No caso das situações previstas na 2.ª alternativa do n.º 2 do artigo 256.º do Código de Processo Penal, é necessário que os «objetos» que o (suposto) agente traz consigo, ou os «sinais» que é possível vislumbrar, estabeleçam, «claramente» (diretamente), a conexão entre o agente e o seu (alegado) facto.

IV – Do preceituado no artigo 258.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, em conjugação com o disposto no artigo 27.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, não decorre qualquer obrigação de que de um mandado de detenção fora de flagrante delito emitido por uma autoridade de polícia criminal devam constar, «em concreto, as circunstâncias de tempo, modo, lugar de factos que justificam a detenção (factos que tipificam um tipo de crime (…))».

V – Por um lado, e de um ponto de vista jusconstitucional, nenhuma dúvida deve subsistir de que «[t]oda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos», constituindo os requisitos previstos para o conteúdo dos mandados de detenção no artigo 258.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, precisamente, uma forma de garantir o cumprimento de tal exigência constitucional (e convencional).

VI – Daqui não resulta, no entanto, que um mandado de detenção – mormente um que seja emitido por uma autoridade de polícia criminal, que atua, por regra, numa fase muito preliminar do processo, muitas vezes ainda a benefício de ulterior investigação que permita clarificar integralmente o quadro fáctico pertinente, e, em princípio, num contexto que, sendo do conhecimento também do detido, lhe garante já o conhecimento do essencial das razões que levam à sua privação da liberdade – deva ser, sem mais, transformado numa, ou pensado como uma, espécie de despacho de (pré-)acusação, onde (ao final do inquérito, e após realização de todas as diligências de averiguação necessárias), se impõe seja feita, com a minúcia possível, a imputação de todos os factos relevantes para a determinação da eventual responsabilidade criminal de um suspeito da prática de um crime e, bem assim, para a determinação das sanções que lhe possam vir a ser aplicáveis.

VII- Também das disposições conjugadas dos artigos 257.º, n.º 2, e 258.º, n.º 1, alínea c), 2.ª parte, do Código de Processo Penal, não resulta qualquer obrigatoriedade de que «as exigências legais previstas nas alíneas do nº 2 do artº 257º do CPP» tenham de ser «concretizadas/densificadas» no próprio texto do mandado de detenção emitido por autoridade de polícia criminal.

L.M.Cabeço

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[1] – Sobre a detenção dentro e fora de flagrante delito: Art.ºs 256.º e 257.º do Código de Processo Penal.

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