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Investigação Criminal, Justiça, Segurança

Ironia do destino

IdestCertamente que todos, principalmente os mais atentos, estão recordados do aparato da “operação aerotransportada” levada a cabo pela Polícia Judiciária (PJ) na Madeira (Operação Zarco), tendo como objetivo a realização de buscas e a detenção de suspeitos de envolvimentos em crimes da área económico-financeira. Durante vinte e um dias foi analisada a prova recolhida e os arguidos foram interrogados. No final, o juiz de instrução criminal (JIC) optou pela restituição à liberdade dos arguidos, sujeitando-os tão somente a termo de identidade e residência (TIR).

Para a opinião pública passou, de imediato, a ideia de que “a montanha pariu um rato”. Ao mesmo tempo,  os habituais detratores do Ministério Público (MP) aproveitaram, mais uma vez, para pedir a cabeça da Procuradora Geral da República. Outros, mercê das dimensões da operação, dos esclarecimentos prestados após a mesma  e dos resultados plasmados na decisão do JIC, solicitaram explicações ao Diretor Nacional da PJ. Por sua vez, alguns começaram a efetuar comparações com a famigerada Operação Influencer, em que a Polícia de Segurança Pública coadjuvou o  MP. Contudo, para uma franja, “a procissão ainda vai no adro”, o MP recorreu da medida de coação aplicada e como o inquérito segue os seus trâmites muita coisa ainda pode acontecer, nomeadamente a acusação, os sucessivos recursos e a condenação dos arguidos, ou de alguns deles, daqui a muitos anos. O exemplo da operação Marquês não deixa margem para dúvidas.

Mas, pode suceder que o inquérito seja arquivado, ou que em audiência de julgamento haja uma absolvição, com uma choruda indemnização a correr para os bolsos dos arguidos para gáudio dos seus advogados. Aliás, se os arguidos não se tivessem rodeado  de um acervo de causídicos de excelente qualidade duvido que o resultado tivesse ficado pela sujeição a TIR ou que se tivesse levantado tanta poeira em torno da interpretação do art.º 141.º, n.º 1, do Código Processo Penal [1] (Acórdão 565/2003, de 19 de Janeiro, do Tribunal Constitucional e Acórdão Gaspar c. Portugal, de 28 de Novembro de 2017 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos). Todos encontrarão, no seu baú de memórias, casos envolvendo “arraia miúda” prontamente sujeitos a medidas de coação muito para além do simples TIR, acusados e condenados por “pequenos favores” e outras minudências. 

Em qualquer dos casos, serão os nossos impostos que pagarão tudo isto, ou a sua maior parte. Como tal, os cidadãos terão de passar a ser mais exigentes com a Justiça, não se limitando a embarcar nalguns chavões entorpecentes, tais como: “é a Justiça a funcionar”, “é o tempo da Justiça”, “à Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política”.

Em suma, esta operação, para já, à luz dos dados disponíveis, uma vez que o MP pedia a prisão preventiva para os três arguidos detidos, não alcançou os seus objetivos. E, ironia do destino, nem tão pouco conseguiu ofuscar, nos órgãos de comunicação social, a manifestação dos elementos das Forças de Segurança ocorrida a 24 de janeiro e que juntou cerca de 15 mil manifestantes, os quais se insurgiram contra a atribuição de um denominado suplemento de missão aos quadros da PJ pelo exercício de funções em condições de risco, insalubridade e penosidade.

Sousa dos Santos

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[1] O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.

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