A entrada dos jovens no tráfico de droga é uma questão preocupante. Em regra, tudo começa pelo envolvimento em situações de menor gravidade, como a distribuição em pequena escala ou o transporte ocasional que podem culminar com a detenção e o primeiro contato com sistema de justiça criminal (Tribunais e prisões), o que tem um impacto negativo na vida de um jovem.
Os contextos socioeconómicos desfavoráveis, a pressão do ambiente envolvente, os problemas escolares, a incapacidade de inserção no mundo laboral e a ansiedade de obter rendimentos rapidamente, fazem parte da lista de fatores que contribuem para que muitos jovens optem por se dedicar a esta atividade e a outras, nomeadamente os crimes contra o património.
A propósito de uma situação de tráfico de droga de menor gravidade, o Tribunal da Relação de Lisboa, num Acórdão de 11/09/2025, decidiu o seguinte:
I.O agente do crime de tráfico de menor gravidade deverá estar nestas circunstâncias, tendencialmente cumulativas: a actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome e sem recurso a intermediários e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem; as quantidades que esse vendedor transmite a cada um dos consumidores são adequadas ao consumo individual destes, sendo a quantidade que ele detém compatível com a sua pequena venda num período de tempo curto; as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; a actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; e, ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art. 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
II.Tendo o vendedor continuado a sua actividade, já depois de uma primeira detenção e advertência, e tendo passado a vender novos tipos de substâncias estupefacientes, obtendo proventos ainda mais avultados, esta sua nova conduta integra o tipo fundamental previsto no art. 21.º do diploma citado.
III.O regime especial para jovens delinquentes não é automático e só se justifica a sua aplicação se, no caso concreto, existirem reais e sérias vantagens que contribuam de forma significativa para a reinserção social do jovem. Assim, se a conduta revelar que não se trata de factos meramente isolados, por já ter sido confrontado com a justiça e nada ter feito para alterar o seu comportamento, tal regime deve ser afastado.
Este Acórdão dá-nos uma imagem da transição do tráfico de menor gravidade para uma modalidade de tráfico mais grave e que pode ir num crescendo até à associação criminosa. Isto porque existe uma grande porosidade entre a denominada criminalidade de massa, onde se insere o tráfico de menor gravidade e o crime organizado. Neste domínio, não poderíamos deixar de mencionar o alerta efetuado pela Europol sobre os novos métodos e rotas utilizados pela criminalidade organizada, tudo num contexto de evolução, diversificação e rápida adaptação.
Assim, o tráfico de menor gravidade, ao contrário do que parece, não é algo de somenos importância e além da vertente criminal tem que se compreender as motivações, o contexto e os impactos desta realidade, de forma a desenhar estratégias de prevenção e de intervenção mais eficazes. Caso contrário, podemos assistir ao avolumar de tiroteios ao estilo marselhês ou belga e à presença de militares a patrulhar as ruas (uma estratégia de eficácia duvidosa) como poderá acontecer em Bruxelas a partir do início de 2026.
Manuel Ferreira dos Santos

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