Introdução
Na era da globalização em que vivemos, a procura do transporte aéreo (sobretudo nas médias e longas distâncias) é cada vez mais acentuada, tanto no que diz respeito ao transporte de pessoas como de mercadorias, essencialmente graças à sua rapidez (diminuição da distância-tempo e dos custos associados) e comodidade, havendo dados que apontam para a circulação, só na Europa, de 25.000 aviões por dia.
Acidentes com aeronaves
À semelhança daquilo que acontece noutras atividades, também o transporte aéreo não está imune a acidentes, ou seja a acontecimentos não desejados ou não programados, repentinos, fortuitos, com efeitos indesejáveis e, por isso, suscetíveis de provocar danos de diversa ordem, aparecendo com alguma regularidade notícias relativas a acidentes com aeronaves.
Alguns destes acidentes, devido aos seus contornos, são classificados como catástrofes. De acordo com o ordenamento jurídico português, entende-se por catástrofe “o acidente grave ou a série de acidentes graves suscetíveis de provocarem elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas, afetando intensamente as condições de vida e o tecido socioeconómico em áreas ou na totalidade do território nacional”[1]. Este tipo de evento tem como elementos caracterizadores a possibilidade de existirem vítimas, a destruição, a sua amplitude territorial, e acima de tudo, uma desproporcionalidade acentuada entre os meios humanos e materiais de socorro e as vítimas a socorrer. Por seu turno considera-se acidente grave “um acontecimento inusitado com efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço, suscetível de atingir as pessoas e outros seres vivos, os bens ou o ambiente”[2].
No plano interno, entende-se por acidente aéreo[3] a ocorrência durante uma operação com uma aeronave, mediada entre o momento de embarque e de desembarque dos passageiros, de que tenham resultado ferimentos ou lesões mortais. Também se considera como acidente aéreo o facto de uma aeronave sofrer danos, uma falha estrutural, desaparecer ou ficar completamente inacessível. Designa-se como incidente o acontecimento que não seja um acidente, relacionado com a operação de uma aeronave, que afete ou possa afetar a segurança da exploração. Já o incidente grave envolve circunstâncias que indicam ter estado iminente a ocorrência de um acidente.
A história nacional e internacional, mais recente, está marcada por diversos acidentes aéreos, dos quais resultaram vítimas mortais.
Acidentes aéreos (mais significativos) com vítimas em Portugal
Local |
Data |
Nº de Mortos |
Lisboa |
Maio – 1961 |
61 |
Funchal |
Novembro – 1977 |
131 |
Funchal |
Dezembro – 1977 |
36 |
Stª Maria – Açores |
Fevereiro – 1989 |
144 |
Faro |
Dezembro – 1992 |
56 |
S. Jorge – Açores |
Dezembro – 1999 |
35 |
Acidentes aéreos internacionais (mais significativos) com vítimas (2008-2011)
Local |
Data |
Nº de Mortos |
Kathmandu, Nepal |
25-09-2011 |
19 |
Huambo, Angola |
14-09-2011 |
17 |
2 km W of Yaroslavl-Tunoshna Airport (IAR) |
07-09-2011 |
44 |
10 km E of Goulimime Airport (GLN) |
26-07-2011 |
80 |
Kaimana, Indonésia |
07-05-2011 |
27 |
Kinshasa, Congo |
04-04-2011 |
32 |
Surkhet, Nepal |
15-12-2010 |
22 |
Guasimal, Cuba |
04-11-2010 |
68 |
Mangalore, Índia |
22-05-2010 |
158 |
Tripoli, Líbia |
12-05-2010 |
103 |
Oceano Índico |
29-06-2009 |
152 |
Oceano Atlântico |
01-06-2009 |
228 |
Lukla-Tenzing, Nepal |
08-10-2008 |
18 |
Próximid. Perm, Rússia |
14-09-2008 |
88 |
Bishkek, Quirguistão |
24-08-2008 |
71 |
Madrid, Espanha |
20-08-2008 |
153 |
Em Portugal, é o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA)[4] que tem por missão investigar os acidentes e incidentes com aeronaves civis tripuladas e participar nos programas e políticas de prevenção de acidentes e incidentes, promover estudos e propor medidas de prevenção que visem reduzir a sinistralidade aeronáutica, elaborar e divulgar os relatórios técnicos sobre acidentes e incidentes e assegurar a participação em comissões ou atividades, nacionais ou estrangeiras.
A investigação levada a cabo pelo GPIAA é de caracter técnico, ou seja, trata-se de um processo conduzido com vista à prevenção de acidentes e incidentes, constituído pela recolha e análise de informações, elaboração de conclusões, determinação da ou das causas e, eventualmente, formulação de recomendações de segurança, não tendo por objetivo o apuramento de responsabilidades. A rápida realização de investigações de segurança aos acidentes e incidentes de aviação civil, tal como a comunicação, análise e divulgação das respetivas conclusões, reforçam a segurança da aviação e contribuem para prevenir a ocorrência de acidentes e incidentes futuros, sem apurar culpas, nem imputar responsabilidades.
O GPIAA divulga, junto do público em geral, as notas informativas de acidentes e incidentes, bem como os respetivos inquéritos, o que contribui para reforçar o sentimento de segurança e a confiança do público relativamente a este tipo de transporte. Contudo, esta entidade debate-se, neste momento, com falta de quadros para que seja possível levar a cabo este tipo de investigações, as quais se revestem de um elevado grau de exigência em termos de qualidade e de complexidade. O que se deve à impossibilidade dos investigadores (na sua grande maioria pilotos aposentados) terem deixado de poder acumular a reforma com um terço do salário por se manterem no ativo.
Para que seja possível levar a cabo estas diligências, devem as entidades policiais, Forças Armadas, diretores dos aeroportos, aeródromos e heliportos[5] assegurar que o local do acidente seja mantido inalterável, sem prejuízo das ações de salvamento; e as autoridades judiciárias ou policiais, bem como os investigadores técnicos, deverão atuar num clima de colaboração mútua, no sentido de assegurarem a eficácia das investigações.
Nesta dinâmica intervém, ainda, o Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Aéreo[6] que compreende os procedimentos de apoio às aeronaves em situação de emergência, de busca das aeronaves acidentadas, bem como da prestação de socorro imediato às mesmas, e do salvamento dos passageiros e das tripulações, até ao momento em que o Serviço Nacional de Proteção Civil assuma o controlo das operações em terra. Este sistema e o Sistema de Busca e Salvamento Marítimo[7] cooperam de uma forma bastante estreita no âmbito das ações de busca e salvamento no mar.
Tal como foi referido para os acidentes ferroviários, também, no caso dos acidentes com aeronaves intervém, além do GPIAA, um leque alargado de atores, (v.g. proteção civil, segurança, e investigação criminal), o que pressupõe a existência de planos, de estruturas apropriadas e da exercícios que permitem uma resposta pronta e amenizadora das consequências de um evento desta natureza.
Recentemente tem sido dada nota de diversas situações envolvendo aeronaves pertencentes à denominada aviação ligeira (menos de 2250 kg), de acordo com algumas notícias vindas a público, tal facto não estará relacionado nem com o aumento da circulação deste tipo de aviões, nem com um acréscimo significativo do número de pilotos licenciados. Os dados recolhidos apontam para que 95% destes acidentes se devam a erro humano, ao que não será estranho o facto de se estar a voar menos, devido ao quadro financeiro e económico que o país atravessa, e quanto menos se voa maior é probabilidade de ocorrer um acidente porque a prática vai diminuindo.
Acidentes aéreos com aeronaves ligeiras (2010-2012)
Local |
Data |
Nº de Mortos |
Braga |
18/08/2012 |
2 |
Tavira |
19/07/2012 |
0 |
Cascais |
03/07/2012 |
0 |
Cascais |
26/06/2012 |
2 |
Sintra |
02/06/2012 |
2 |
Benavente |
03/04/2012 |
2 |
Águeda |
25/03/2012 |
1 |
Coimbra |
27/11/2011 |
0 |
Trancoso |
18/10/2011 |
0 |
Coja |
23/08/2011 |
0 |
Cascais |
20/08/2011 |
0 |
Espinho |
12/03/2011 |
0 |
Seixal |
10/01/2011 |
0 |
Leiria |
29/08/2010 |
2 |
Portimão |
10/08/2010 |
1 |
Castelo Branco |
21/03/2010 |
2 |
M.- O – Novo |
06/03/2010 |
2 |
Cascais |
12/02/2010 |
0 |
Considerações finais
O transporte aéreo, tanto na vertente de transporte de passageiros, como de mercadorias, tendo vindo a crescer ao longo dos últimos anos, e tal como noutras áreas de atividade existe a possibilidade de ocorrerem acidentes e incidentes.
Em Portugal é o GPIAA que investiga os acidentes e incidentes com aeronaves civis tripuladas e participa nos programas e políticas de prevenção de acidentes e incidentes, no entanto, de acordo com dados revelados ultimamente, este organismo atravessa algumas dificuldades em termos de capacidade de resposta, devido à saída de diversos investigadores, pelo que urge contornar esta questão.
Algumas dessas ocorrências têm consequências graves, com um elevado número de vítimas (mortos e feridos) e danos materiais graves, e que por isso, além do GPIAA requerem a existência e intervenção de outras estruturas multissectoriais e multidisciplinares, com planos de atuação focalizados na articulação e processamento integral. Só assim, será possível responder em tempo útil a situações desta natureza, manter e reforçar o sentimento de segurança relativamente a este meio de transporte.
Gomes Lopes[1] Artº 3º, nº 2, da Lei nº 27/2006, de 03/07/2006 (Lei de Bases da Proteção Civil – LBPC).
[2] Artº 3º, nº 1, da LBPC.
[3] Artº 2º do DL 318/99 de 11/08/99.
[4] Art.º 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 80/2012, de 27 de março.
[5] Sendo interdito a qualquer pessoa, sem prévia autorização do investigador responsável, modificar o estado do local onde tenha ocorrido um acidente, dele retirar seja o que for, bem como manipular ou deslocar a aeronave ou elementos seus, salvo por imposição de ações de salvamento ou segurança das populações. Artº 19º do DL 318/99, de 11/08/99.
[6] Previsto no Decreto-Lei nº 253/95, de 30/09/95.
[7] Previsto no Decreto-Lei nº 15/94, de 22/01/94.
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