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Segurança

O “coro da indignação” da meritocracia

I

Depois de lidas algumas notícias que têm vindo a ser difundidas pela imprensa nacional, qualquer leitor menos familiarizado com a temática das promoções na Guarda Nacional Republicana (GNR) deduz que:

  • Até este momento este processo era automático e que todos os militares desta força de segurança de natureza militar ascenderiam ao posto seguinte da respetiva categoria (oficiais, sargentos e guardas) através da antiguidade, sem qualquer outro requisito;
  • A partir da entrada em vigor do novo estatuto dos militares da GNR (EMGNR) isso já não se irá passar, porque a Ministra da Administração Interna descobriu que afinal a meritocracia também se pode aplicar à Guarda, tal como se aplica na Polícia de Segurança Pública, e consagrou esta medida no diploma em apreciação para acabar com o “regabofe promocional”.
II

Sem querer ser fastidioso, vou-me limitar ao que consta, a este propósito, do EMGNR[1] ainda em vigor, nos termos qual as modalidades de promoção dos militares da Guarda são as seguintes:

  • Habilitação com curso adequado
    • A promoção por habilitação com curso adequado efectua-se por ordem de cursos e, dentro do mesmo curso, por ordem decrescente de classificação obtida neste;
  • Antiguidade
    • A promoção por antiguidade consiste no acesso ao posto imediato, mediante a existência de vaga no quadro a que pertence e a satisfação das condições de promoção, mantendo-se a antiguidade relativa em cada quadro;
  • Escolha
    • A promoção por escolha consiste no acesso ao posto imediato, mediante a existência de vaga no quadro a que pertence, desde que satisfeitas as condições de promoção e independentemente da posição do militar da Guarda na escala de antiguidade, e tem em vista selecionar os militares considerados mais competentes e que se revelaram com maior aptidão para o desempenho de funções inerentes ao posto superior. A promoção por escolha deve ser fundamentada, sendo a ordenação realizada com base em critérios gerais, definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna;
  • Distinção
    • Consiste no acesso a posto superior, em regra ao posto imediato, independentemente da existência de vaga, da posição do militar da Guarda na escala de antiguidade e da satisfação das condições especiais de promoção, tendo por finalidade premiar condignamente excepcionais qualidades profissionais ou excepcionais dotes de comando, direcção ou chefia em acções que tenham contribuído para o bom êxito das missões de serviço;
  • A título excecional.
    • Consiste no acesso ao posto imediato, independentemente da existência de vaga, designadamente nos seguintes casos:
      • Por ter sido classificado como deficiente, quando legislação especial o preveja;
      • Por reabilitação, em consequência de recurso em processo criminal ou disciplinar.
III

Depois, em relação a cada uma das categorias o diploma, de uma forma muito semelhante ao que constava do Estatuto dos Militares das Forças Armadas em vigor nessa altura, prescreve o seguinte:

Nos oficiais, as promoções obedecem às seguintes modalidades:

  • A alferes, por habilitação com curso de formação adequado;
  • A tenente, por antiguidade;
  • A capitão, por antiguidade;
  • A major, por escolha;
  • A tenente-coronel, por antiguidade;
  • A coronel, por escolha;
  • A major-general, por escolha;
  • A tenente-general, por escolha.

No caso dos sargentos, existem as seguintes modalidades:

  • A segundo-sargento, por habilitação com curso adequado;
  • A primeiro-sargento, por antiguidade;
  • A sargento-ajudante, por antiguidade;
  • A sargento-chefe, por escolha;
  • A sargento-mor, por escolha.

E nos guardas:

  • A guarda principal, por antiguidade
  • A cabo, por habilitação com curso adequado e por antiguidade;
  • A cabo-chefe, por escolha;
  • A cabo-mor, por escolha.

Ao que consta, a proposta de EMGNR em apreciação (num alinhamento idêntico ao novo EMFAR) difere da que está em vigor, na categoria profissional de oficiais no posto de tenente (passa a ser por diuturnidade) e de tenente-coronel que deixa de ser por antiguidade aplicando-se a escolha. No caso dos sargentos, na promoção a sargento-ajudante passa-se a lançar mão da escolha enquanto do antecedente se utilizava o critério da antiguidade. E no caso da categoria profissional dos guardas, também a promoção a cabo estará sujeita ao crivo da escolha, ao contrário do que sucedia anteriormente em que imperava a habilitação com curso adequado e a antiguidade.

IV

Daqui resulta que a promoção por escolha (meritocracia) não foi descoberta agora, já constava das anteriores versões do EMGNR, e por outro lado a avaliação do mérito dos militares da GNR que está na base das promoções por escolha, está regulada, atualmente, na Portaria n.º 279/2000, de 15 de fevereiro (em moldes idênticos ao que sucede nas Forças Armadas) onde se define o sistema de avaliação do mérito dos militares da Guarda Nacional Republicana (SAMMGNR) e os princípios que regem a sua aplicação, sendo este constituído pelos seguintes elementos do processo individual: a ficha curricular (FC); a avaliação individual (AI); as provas de aptidão física (PAF).

Contudo, este regulamento, no seu artigo 2.º, faz uma ressalva em relação às praças (atuais guardas), determinando que a sua aplicação a esta categoria profissional será regulamentada por portaria do Ministro da Administração Interna, sob proposta do comandante-geral da GNR, o que nunca aconteceu.

Por tal facto, neste momento apenas a categoria profissional dos oficiais e dos sargentos são alvo de avaliação do mérito. Os guardas apesar de não serem avaliados continuam a progredir na carreira, inclusive nos postos onde a promoção se opera através da escolha. Pelo que infiro que as afirmações da senhora ministra terão como destinatária esta categoria profissional, o que merece, desde já, a minha aprovação, porque só assim se poderão selecionar os militares considerados mais competentes e que se revelaram com maior aptidão para o desempenho de funções inerentes ao posto superior.

V

Acho impensável apenas avaliar os quadros superiores e os intermédios, isto porque eles não são os únicos recursos humanos da organização, e o exercício das funções destes quadros só é materialmente exequível através da atuação laboriosa da carreira de base. Numa estrutura como a GNR só se podem avaliar resultados se soubermos o que os elementos desta carreira fizeram e como o fizeram, senão estamos a apreciar erradamente os restantes presumindo que são muito eficientes ou não o são, mas ignorando uma variável indissociável para a verificação dos resultados. Havendo uma cadeia hierárquica comprometida com a missão da instituição e com os objetivos propostos, se os executantes falharem ou não tiverem entendido as orientações superiores, os resultados não serão os esperados, logo há uma omissão na avaliação cega apenas dos quadros superiores e intermédios.

Em suma, desde há muito tempo que se aplica a meritocracia nas promoções na GNR, tal como consta das sucessivas versões do EMGNR, nesta matéria fortemente inspirado pelo EMFAR. Da proposta do novo EMGNR, ao que consta, decorre que a promoção por escolha passará a incidir sobre mais um posto em cada categoria profissional (cabo, sargento-ajudante e tenente coronel).

Mas, convem frisar que a categoria profissional dos guardas por falta de regulamentação tem vindo a escapar às malhas da meritocracia, sendo apenas avaliados os oficiais e sargentos, ou seja quadros superiores e intermédios com funções de comando, direção e chefia, enviesando o sistema com consequências danosas para a organização. Espera-se que desta vez haja coragem para elaborar a regulamentação em falta e se consiga ultrapassar o coro de indignação que começa ecoar nas redes sociais e noutros locais afins que visa a manutenção do statu quo.

L.M.Cabeço

___________________________

[1] Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de outubro.

 

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