Ao contrário do que possa parecer o fogo é perigoso nas quatro estações do ano, tanto em ambiente rural como urbano. Não obstante o número de incêndios florestais ser superior, ter maior visibilidade e impacto nos meios de comunicação social, os incêndios urbanos têm, em regra, a probabilidade de provocarem mais danos (humanos e materiais), para o que contribui de sobremaneira a existência de edifícios velhos (desabitados, ou habitados de forma ilegal), de edifícios construídos na mais absoluta ilegalidade, da promiscuidade entre estabelecimentos comerciais e industriais com zonas habitacionais. E, mesmo naqueles que são construídos e habitados, supostamente obedecendo a todos os requisitos legais, escondem-se equipamentos de gás e de eletricidade, chaminés sujas, lareiras que servem de dispensas, velas, cigarros, aquecedores que originam vários incêndios urbanos
Assim, ano após ano, os incêndios urbanos, durante as duas estações em que o frio se faz sentir com maior intensidade, vão provocando, em espaços públicos e privados[1], um apreciável número de vítimas (feridos e mortos), devido às lareiras, às braseiras, aos aquecedores e cobertores elétricos, curto circuitos, equipamentos de aquecimento instalados em completo desrespeito pelos condicionalismos legais, ao que se junta a inalação de gases provenientes de esquentadores e de outros equipamentos.
A infeliz ocorrência de Vila Nova da Rainha – Tondela, insere-se nesta linha. Um edifício adaptado na década de 90 do século passado, transformado em associação recreativa, ao que consta licenciado pela câmara municipal nessa altura e depois, à semelhança do que acontece na maior parte destes estabelecimentos, terá sido alvo de modificações com o intuito de melhorar o conforto dos utentes. Só que estas benfeitorias são, muitas vezes, efetuadas pelos dirigentes e associados com base no conhecimento e no dinheiro disponíveis, logo correndo-se o risco de desrespeitar as normas de segurança em vigor e de algum dia a tragédia bater à porta.
Em Portugal, além do regime jurídico da urbanização e da edificação, dispomos ainda de legislação relativa à segurança contra incêndios em edifícios[2]. Assim, em traços gerais o licenciamento das obras está a cargo das câmaras municipais. Por sua vez, as condições técnicas gerais e específicas de segurança contra incêndios em edifícios constam de uma Portaria[3] do membro do Governo responsável pela área da proteção civil, nomeadamente as condições exteriores comuns, de comportamento ao fogo, isolamento e proteção, de evacuação, das instalações técnicas, dos equipamentos e sistemas de segurança, de autoproteção. Ficando a fiscalização desta matéria a cargo, da Autoridade Nacional de Proteção Civil, nalguns casos dos municípios (na sua área territorial) e noutros da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica[4].
Perante o quadro descrito na comunicação social (e.g. acessos, revestimentos utilizados, equipamentos instalados), tudo aponta para que em Vila Nova da Rainha alguns dos requisitos relativos às condições técnicas não tenham sido cumpridos, mas isso, tal como os restantes contornos, só se poderá determinar através do inquérito que está em curso. Agora, o que interessa, antes de mais, é prevenir, fazendo um levantamento exaustivo de todos os locais de natureza idêntica para que seja possível verificar “in loco” se as condições de segurança estão garantidas, cerceando, dentro do possível, a possibilidade de novas tragédias. Ao mesmo tempo, urge analisar o quadro legal que regula esta matéria para aquilatar da necessidade de alterações, obstando a que existam “zonas brancas”.
Sousa dos Santos
____________________________
[1] Em Portugal o incêndio que deflagrou no Teatro Baquet, no Porto, na noite de 20 para 21 de Março de 1888, provocou cerca de 120 mortos por causa da morosidade do socorro e da lotação estar esgotada. In BANDEIRA, Romero, Medicina de Catástrofe, Edições da Universidade do Porto, Porto, 2008, p. 134 e ss.
[2] Decreto Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro.
[3] Portaria n.º 1532/2008, de 29 de dezembro.
[4] Art.º 24.º do Decreto Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro.
Discussão
Ainda sem comentários.