Data de 1932 “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, obra onde se descreve uma sociedade futura em que as pessoas seriam condicionadas em termos genéticos e psicológicos, a fim de se conformarem com as regras sociais dominantes, tendo a ciência, a tecnologia e a organização social deixado de estar ao serviço do Homem, convertendo-se nos seus amos. Também Alvin e Heidi Toffler nos foram fornecendo bastantes pistas para a compreensão das mudanças da economia e da sociedade contemporânea, onde se passou de “uma economia baseada nas velhas fábricas”[1], para uma baseada na informática, nas comunicações e nos serviços, a denominada economia “ligth”[2], “softeconomia”[3], ou economia do conhecimento[4], onde a informação e as formas de conhecimento são o esteio da inovação e do crescimento económico, com verdadeiras redes de investigação e comercialização de tecnologia, onde intervêm os governos, as universidades e as empresas.
Neste admirável mundo novo, numa simples ida a uma superfície comercial, um cliente depois de efetuar as suas compras, enquanto espera na fila ainda adquire a sua revista preferida, quando procede ao pagamento, de preferência munido com um cartão aparentemente recheado de vantagens, comunica o tipo de produtos que adquire e utiliza, a sua marca, o seu tamanho ou quantidade, a qualidade, a hora de compra, o montante total, a revista em que pode ser atingido de futuro através da publicidade, fornece indicações para reposição do stock, e, se o pagamento é efectuado através de cartão bancário, o cliente faculta ainda todo um conjunto de dados pessoais e de cariz financeiro.
Daí que Raquel Alexandra Brízida Castro, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tenha afirmado que “os negócios gerados em torno dos dados pessoais são o novo petróleo”. Esta questão ganhou novos contornos, com a recente divulgação da utilização de dados dos utilizadores de uma rede social de forma indevida, mercê da sua apropriação por uma outra entidade conseguindo dessa forma influenciar, ao que consta, decisivamente decisões políticas na Europa e nos Estados Unidos.
Provavelmente na sequência destes acontecimentos, foi finalmente aprovada em Conselho de Ministros uma proposta de lei que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Daqui resultará a revogação da Lei de Proteção de Dados Pessoais e a adoção das soluções que o Estado Português considera mais adequadas para a proteção dos direitos dos titulares de dados pessoais no contexto da competitividade das empresas portuguesas no quadro da União Europeia. Ao mesmo tempo, foi aprovada uma resolução que define orientações técnicas para a Administração Pública em matéria de arquitetura de segurança das redes e sistemas de informação relativos a dados pessoais.
Tal como temos dado nota, as iniciativas para uma melhor compreensão desta realidade são diversas. Neste momento, é de salientar a realização na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa de um Curso Breve sobre Protecção de Dados Pessoais. Por sua vez, numa dimensão conexa com esta, nos dias 7 e 14 de abril, terá lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o Curso Breve de Cibersegurança. No Centro Nacional de Cibersegurança, decorrerão em julho e outubro ações de formação sobre cibersegurança. Por seu turno, a Competitive Intelligence & Information Warfare Association (CIIWA), em colaboração com o Ministério da Defesa, a NATO Allied Command Transformation (ACT), NATO Industry Cyber Partnership (NICP), CINAMIL, EuroDefense Portugal e a AFCEA Portugal, promove a 4ª NATO Cyber Defence Smart Defence Projects (CD SDP) Conference -“NATO-EU Colaborative Cyber Defense Capability Biulding”.
Finalmente, parece que começamos a despertar para o facto de o ciberespaço (o ambiente virtual onde se agrupam e relacionam utilizadores, linhas de comunicação, sites, fóruns, serviços de internet e outras redes) conter nos seus meandros um conjunto de potencialidades suscetíveis de direcionar o cidadão no sentido que mais interessa ao(s) manipuladores, independentemente dos fins visados. Para o efeito, retiram-nos parcelas significativas da nossa vida que “vendem a terceiros que ignoramos e para fins que desconhecemos”, por isso é essencial que “cada pessoa tenha a plena consciência da sua pegada digital e formas de garantir o direito à sua autodeterminação”.
Sousa dos Santos
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[1] TOFFLER, Alvin, Os Novos Poderes, Livros do Brasil, Lisboa, 2001, p.40.
[2] GIDDENS, Anthony, Sociologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 54.
[3] TOFFLER, Alvin, Os Novos Poderes, Livros do Brasil, Lisboa, 2001, p. 41.
[4] GIDDENS, Anthony, Sociologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 380.
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