I
Gilles de Kerkhove, coordenador da União Europeia (UE) para a luta antiterrorista, aterrou em Lisboa, tendo-se reunido com as titulares das pastas da Administração Interna, da Justiça, e com alguns dirigentes das forças e serviços de segurança, devido à possibilidade de regresso dos jihadistas europeus que atualmente combatem na Síria e no Iraque. Em primeiro lugar, convém esclarecer o papel desempenhado por Gilles de Kerkhove, depois o porquê desta reunião alargada.
II
O cargo de Coordenador da União Europeia (UE) para a luta antiterrorista foi criado através da declaração sobre a luta contra o terrorismo, aprovada pelo Conselho Europeu, após os atentados terroristas de 11 de março de 2004 em Madrid, competindo-lhe:
- Coordenar os trabalhos do Conselho em matéria de luta contra o terrorismo;
- Fazer recomendações estratégicas e propor ao Conselho áreas de ação prioritárias, baseando-se na análise de ameaças e em relatórios apresentados pelo Centro de Análise de Informações da UE e pela Europol;
- Acompanhar de perto a aplicação da estratégia antiterrorista da UE;
- Supervisionar todos os instrumentos de que a União Europeia dispõe, para apresentar regularmente relatórios ao Conselho e dar um seguimento eficaz às decisões do Conselho;
- Trabalhar em coordenação e partilhar informações sobre as suas atividades com as instâncias preparatórias competentes do Conselho, a Comissão e o SEAE;
- Assegurar que a UE tenha um papel ativo na luta contra o terrorismo;
- Melhorar a comunicação entre a UE e os países terceiros neste domínio.
Para fazer face ao regresso dos cerca de três mil jihadistas europeus que atualmente combatem na Síria e no Iraque, ao nível da UE, as linhas orientadoras internas são as seguintes:
- Prevenção;
- Intercâmbio de informações sobre identificação de indivíduos e deteção de deslocações;
- Resposta da justiça penal;
- Cooperação com países terceiros.
No que tange às linhas orientadoras externas, optou-se pelas seguintes dimensões:
- Dimensão política;
- Prevenção;
- Perseguição;
- Proteção;
- Resposta;
- Relações com os principais parceiros.
Segundo Gilles de Kerkhove, neste momento, assume particular importância a partilha de informação (nome dos suspeitos, dados biométricos e informação complementar), a prevenção da infiltração de radicais nas vagas de refugiados, a cooperação com países terceiros, nomeadamente com a Turquia (porta de entrada e saída da Síria e do Irqaue), o estabelecimento de uma metodologia eficaz de avaliação de perfil de risco, e os programas de reabilitação porque as prisões são incubadoras da radicalização. Para a recolha da prova dos crimes de guerra praticados por estes combatentes radicais, tendo em vista a sua apresentação perante a justiça, UE conta com a colaboração da Comission for Internationa Justice and Accountability (CIJA).
III
A necessidade desta reunião alargada prende-se com a arquitetura do sistema de prevenção e repressão do terrorismo em Portugal, onde intervêm vários atores com tutelas diversas, esteados na Lei de Combate ao Terrorismo e na Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, ao que acresce um vasto acervo de legislação conexa.
Desde logo, na esfera do Ministério da Administração Interna estão as forças de segurança (GNR e PSP) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). As forças de segurança desempenham um papel crucial nesta matéria em termos de prevenção, tal como o SEF no âmbito da sua missão e atribuições de controlo das entradas e saídas do território nacional. Por sua vez, sob a alçada do Ministério da Justiça está a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), bem como a Polícia Judiciária, à qual, além da prevenção do terrorismo, nos termos da Lei de Organização da Investigação Criminal, cabe a investigação criminal deste tipo de ilícitos.
Além disso, neste domínio, há que ter em conta o Sistema de Informações da República Portuguesa, um organismo público, que depende direta e hierarquicamente do Primeiro-Ministro, a quem cumpre responder pela produção das informações necessárias à prevenção das ameaças à segurança interna e externa, à manutenção da unidade e integridade do Estado de direito democrático, à salvaguarda da independência e dos interesses nacionais. Este sistema conta com dois Serviços: o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e o Serviço de Informações de Segurança (SIS), os dois braços operacionais do Sistema e os únicos que podem produzir informações (Relatórios de Informações).
Finalmente, nos termos da Lei de Segurança Interna, temos o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, o qual tem competências de coordenação, direção, controlo e comando operacional em relação às forças e serviços de segurança, funcionando na sua dependência direta e sob a sua coordenação a Unidade de Coordenação Antiterrorismo.
IV
Portugal não está imune a este fenómeno, tal como ficou demonstrado com o caso do marroquino que estava em Portugal desde 2014, com o estatuto de asilado político por alegar perseguição política. Como tal, foi alojado num centro social, recebendo apoio financeiro do Estado português. Além disso, possuía carta de condução portuguesa e circulava pelo espaço Shengen, por vezes com documentos falsos, para angariar fundos. Desde 2015 que era monitorizado pela PJ e pelo SIS, suspeita-se que tentou aliciar muçulmanos para a causa jihadista na internet, em pequenas lojas e cafés da capital e da zona centro, sendo solicitada a sua vigilância discreta no espaço Schengen, pelo que as suas atividades eram do conhecimento das autoridades gaulesas. Um caso clássico de um “cavalo de tróia jihadista” e ao mesmo tempo, um sinal de que a arquitetura prevencional do sistema funcionou. Esperemos que o repressivo nunca chegue a ser testado.
Aliás, na Europa os modelos policiais que melhor resposta têm dado ao fenómeno são os de matriz análoga ao português, basta reparar no caso espanhol, no francês e recentemente na pronta reação italiana ao autor do atentado terrorista de Berlim em dezembro. Um dos que mais demorou a reagir, o belga que resultou de um desmantelamento apressado de um modelo dual, chegando a ser apontado por alguns “savants”, há uns anos atrás aquando do processo de reestruturação e reorganização das forças de segurança em Portugal, como um caso de sucesso e como tal um exemplo a seguir
Daí que Gilles de Kerkhove tenha declarado que «deixava o país “satisfeito”, por ter constatado que “estão todos conscientes dos riscos e das medidas a tomar” para enfrentar aquela que considera a maior ameaça, no momento, à segurança interna da UE».
J.M.Ferreira
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