I. Soube-se esta semana que foi absolvido o agente da Polícia de Segurança Pública que tinha sido acusado pelo Ministério Público de ofensa à integridade física qualificada. Ao que consta, na sequência de desacatos na via pública, o polícia atingiu a tiro quatro jovens, dois deles menores, durante uma perseguição ocorrida em 2013, em Queluz de Baixo, no concelho de Oeiras, após o mesmo “ter dado ordem de paragem de viva voz e efetuados dois disparos para o ar“, os jovens “não acataram e prosseguiram a fuga apeada”. No despacho de acusação ter-se-á argumentado que havia à disposição outros meios menos perigosos para obstar à fuga, nomeadamente a “comunicação via rádio com os outros agentes da PSP, solicitando mais reforços e organizando o cerco e captura“.
II. Aquando da leitura da sentença o juiz frisou que o agente “agiu de forma precipitada e que não tomou as devidas diligências“, mas devido ao “sentimento de pânico” e por ter interpretado “de forma errada uma eminente ameaça” por parte do grupo de jovens. Duas notas acerca desta questão. A primeira vai para a morosidade da justiça portuguesa, pois um caso ocorrido em 2013 apenas foi alvo de julgamento em 2018, permitindo de permeio as mais variadas extrapolações sempre em desfavor do agente e da instituição a que pertence. Depois, confirmou-se aquilo que tínhamos escrito o ano passado quando abordámos este incidente num artigo intitulado “agruras de causas profundas” nomeadamente que é extremamente fácil tecer considerandos na comodidade de um gabinete sobre a atuação de alguém que em situações adversas tem de tomar decisões ao milésimo de segundo, num ambiente altamente stressante no qual se vê permanentemente imerso. Além disso este agente, à semelhança dos restantes, bem como dos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), desenvolve a sua atividade confrontando-se constantemente com uma atroz carência de meios, pelo que muito dificilmente a hipótese levantada pelo Ministério Público seria viável, daí que o acusado não se tenha sequer lembrado dela e perante o desespero tenha enverado pelo crescendo que desembocou naquele desenlace.
III. Ali bem perto, mais concretamente na Amadora, um cidadão terá atirado o resto de um cigarro para o chão, sendo nesse momento intercetado por quatro agentes da PSP. De acordo com a versão do cidadão, um dos polícias “sem que qualquer motivo o justificasse, desferiu-lhe uma chapada, de mão aberta, na face esquerda”. Por sua vez, o polícia afirmou que o cidadão, numa atitude agressiva e provocatória, encostou a sua cabeça à dele, “tendo este último empurrado o corpo daquele na zona da cara, o que fez apenas com o intuito de salvaguardar a sua integridade física“. O caso seguiu para tribunal, tendo-se decidido que a versão do polícia, apesar de ter sido “corroborada, no essencial”, pelos restantes agentes, “para além de não ter resistido no confronto com a demais prova produzida no julgamento“, surgiu como “verdadeiramente inverosímil“.
IV. Esta decisão, segundo a comunicação social, teve como lastro os seguintes fatores:
Cidadão |
Agente da PSP |
|
|
V. Em suma, tudo resultou da convicção do julgador perante a credibilidade da prova testemunhal das duas fações em confronto neste julgamento. Embora o julgador seja livre ao apreciar as provas, tal apreciação está “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”. Contudo, “esta livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência”[1].
VI. Não poderia deixar de aludir às agressões (arremesso de pedras, pontapés e murros na cabeça) levadas a cabo por cinco jovens (com idades entre 19 e 25 anos) contra três polícias quando estes prestavam serviço gratificado numa festa que decorria no Catujal em Loures, organizada pela paróquia de São José da Nazaré, na qual participavam 200 pessoas. No decurso do inquérito, os cinco jovens cidadãos foram constituídos arguidos e acusados pelo Ministério Público, em co-autoria, de dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de outros dois crimes de ofensa à integridade física qualificada. Na audiência de julgamento, o coletivo (presidido pelo juiz Rui Teixeira) para não decidir com base nas declarações das vítimas, dos arguidos e das testemunhas, considerou ser “pertinente a visualização” de um vídeo gravado com um telemóvel que mostra as alegadas agressões de cinco jovens aos três polícias.
VII. Estes três casos são ilustrativos da realidade com que os elementos das forças de segurança têm de lidar no desenvolvimento da sua atividade diária. Para evitar dúvidas em torno da atuação policial ou dos cidadãos, está, em definitivo, na hora de equipar as instalações policiais, bem como os elementos das forças de segurança, quando em serviço operacional, com câmaras de filmar portáteis para que quando estes casos passem o crivo do inquérito e da instrução e cheguem a julgamento, a decisão de condenar ou absolver não seja tomada apenas com base na livre convicção formada através das declarações prestadas pelos vários intervenientes processuais. O que também seria um bom contributo para afastar algumas teses que têm vindo a ser construídas, nomeadamente uma segundo a qual “os nossos bairros são campos de treino de polícias”. Isto, porque não pode haver dúvidas de que as forças de segurança devem “ser o garante do bem estar e da qualidade de vida em liberdade, em justiça e em segurança de todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, inclusiva da condição de arguido ou de vítima , marcando-se como atuação no respeito e na defesa da dignidade da pessoa humana” [2].
L.M.Cabeço
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[1] Conforme, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/10/2008. Sobre este assunto Lobo, Fernando Gama, Código de Processo Penal anotado, Almedina, Lisboa, 2017, p. 227 e ss.
[2] Valente, Manuel Monteiro Guedes, Teoria Geral do Direito Policial, Almedina, Lisboa, 2017, p. 115 e ss.
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