I
O crime organizado, pode ser caraterizado como um tipo de criminalidade sofisticada, baseada em organizações, estruturadas segundo diversos moldes, estáveis e duradouras, cujo âmbito de atuação varia entre o regional, o nacional e o transnacional, com capacidade de adaptação e regeneração, dedicando-se a um amplo leque de atividades ilícitas ou lícitas por meios ilícitos, tendo em vista auferir lucros cada vez maiores, que são introduzidos nos mercados legais, o que lhe permite influenciar, aliciar, corromper e comprometer os processos políticos, as instituições democráticas, os média, os programas sociais, o desenvolvimento económico, os direitos humanos, assenta numa autêntica lógica empresarial, aproveitando as inovações tecnológicas permanentes, a mobilidade de pessoas, bens e capitais.
Em suma, esta criminalidade tem como traços característicos: a delinquência de grupo, a existência de um centro de poder (onde se tomam as decisões), atuações a diversos níveis, sujeição a decisões, fungibilidade dos membros que atuam nos níveis inferiores, utilização de tecnologia e logística, um determinado fim, e o ânimo do lucro. Assim pretende-se acima de tudo a obtenção do lucro e para tal a organização nasce, cresce e vive no maior secretismo possível, impermeabilizando-se para dissimular a sua existência.
Daí que seja extremamente difícil a obtenção de provas, sendo ineficazes grande parte dos métodos tradicionais e não invasivos de obtenção de prova. Para contornar estes obstáculos, a lei prevê, nomeadamente o recurso, à interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, bem como ao registo de voz e imagem.
II
Em torno desta questão, o Tribunal da Relação de Lisboa, num Acórdão de 11/09/2018, decidiu que:
- “Para que alguém seja alvo de escutas telefónicas basta que seja suspeito, não sendo necessário que tenha a qualidade de arguido, e que a suspeita respeite à prática de um ou mais crimes do catálogo, ou seja, dos crimes especificados no n.º 1 do artigo 187.º, do CPP, entre os quais está o de tráfico de estupefacientes e os demais crimes puníveis com prisão superior a 3 anos (alíneas a) e b), do mesmo preceito).
- Resulta do mesmo preceito que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter», critérios têm de ser apurados em face dos elementos de prova existentes no momento em que deve ser proferida a decisão de autorizar ou não aquele meio de obtenção de prova e «não em função do que a final se revele ter sido o conteúdo das escutas telefónicas e a sua importância probatória».
- Quanto ao registo de voz e de imagem, a Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro, não exige, como requisito de admissibilidade do registo de voz e de imagem, a «indispensabilidade» da diligência mas sim a sua necessidade para a investigação – artigo 6.°, n.° 1 e, sendo o tráfico de estupefacientes um crime de grande danosidade social devido ao leque de consequências que resulta desta actividade criminosa, a compressão dos direitos individuais que implica a utilização dos referidos meios de obtenção de prova não pode considerar-se desproporcionada”.
III
Por fim, ainda neste âmbito, é de salientar que foi recentemente publicada uma obra intitulada “Novas Tecnologias e Legalidade da Prova em Processo Penal”, da autoria de Maria Beatriz Seabra de Brito, referindo-se na sua apresentação que “os novos métodos de aquisição probatória, como o GPS, reivindicam novas soluções normativas que desafiam a disciplina probatória processual penal portuguesa. Na verdade, o atual quadro de aquisição probatória é marcado por soluções assistemáticas que lembram um jogo de Matrioskas, em que normas de previsão se vão sucessivamente aplicando e desaplicando até perderem o seu conteúdo normativo. Neste contexto, deverão ser os princípios jurídico-constitucionais a primeira e essencial forma de adaptação do sistema aos desafios e inovações da era digital, no sentido de acentuar a expansão da área de tutela típica dos direitos fundamentais”.
Manuel Ferreira dos Santos
Discussão
Ainda sem comentários.