Grande parte dos ilícitos criminais ocorre num dado local, o local da prática do facto, ou, de acordo com a terminologia anglo-saxónica, a cena do crime, daí que sejam denominados correntemente como crimes de cenário.
Nos termos do Código Penal Português (CP)[1], “o facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente atuou, ou, no caso de omissão, devia ter atuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido. E, no caso de tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que, de acordo com a representação do agente, o resultado se deveria ter produzido”.
Pelo que se pode conceptualizar a cena do crime, ou o lugar prática do facto, como sendo o espaço físico onde ocorreu um ilícito criminal, ou com ele relacionado de forma direta ou indireta, e que requer a intervenção de um ou mais órgãos de polícia criminal para desenvolver diligências no domínio da investigação criminal, cuja extensão depende da natureza e das circunstâncias do evento que se investiga. Trata-se, assim, de um conceito abrangente que pode englobar um conjunto diversificado de áreas ou espaços (v.g. vias de acesso, zonas adjacentes, veículos), e de situações (v.g. homicídio, furto, roubo, violação, incêndio, falsificações, tráfico de estupefacientes, tráfico de seres humanos, caça ilegal, jogo clandestino, contrafação).
Por tal facto existem situações em que a cena de crime se pode dividir em principal e secundária ou secundárias. A primeira, será a área, lugar, ou coisa, onde ocorreu o crime, ou onde são localizados a maior parte dos vestígios com ele relacionados, assumindo o papel de secundária(s) os restantes espaços físicos.
Nesta matéria, “compete em especial aos órgãos de polícia criminal (OPC), mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os atos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova”[2]. Daí que os OPC mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, devam praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, sendo desenvolvido na cena do crime um conjunto de atividades, nomeadamente o isolamento do local, a manutenção do estado das coisas e dos lugares, o exame dos vestígios do crime, a recolha de informações, a realização de apreensões e a elaboração do respetivo relatório[3].
Independentemente do órgão de polícia criminal interveniente, a atuação da criminalística no local da prática do facto, em regra, está relacionada com as seguintes vertentes:
- Isolamento e preservação do local;
- Recolha de informação;
- Observação, avaliação e planeamento;
- Fixação[4];
- Pesquisa, recolha, acondicionamento e transporte dos vestígios;
- Libertação do local;
- Envio dos vestígios ao laboratório competente.
Destas, por agora, apenas nos queremos deter na “fixação”, ou seja nas técnicas de registo utilizadas na cena do crime e que no final são vertidas num Relatório. Estas técnicas englobam, entre outras a fotografia, as imagens de vídeo, a infografia e o croqui, conseguindo-se através delas congelar o local no momento em que todo este acervo documental é recolhido, sendo por isso de extrema importância no decurso do processo.
Esta fixação também se reveste de importância primordial no caso das catástrofes, as quais podem ter na sua génese uma ação criminosa (v.g. queda de um avião na sequência de um atentado terrorista), dado que é através dela que se fixam os cadáveres, partes deles, os objetos e as provas, utilizando-se para o efeito as técnicas de criminalística[5],[6], recolhendo e perpetuando o que ali se encontra, obtendo-se, desta forma, uma visão enquadrada do local. Estes registos além de serem extremamente úteis para a posterior identificação das vítimas, podem, se necessário, ser utilizados em processos de investigação criminal relacionados com a catástrofe. Nalguns casos, converte-se, ainda, num instrumento de auxílio aos especialistas que vão analisar a causa da catástrofe (v.g. queda de aeronave). Servem também para analisar os procedimentos e técnicas utilizadas e contribuem para os inovar, consolidar, harmonizar, ou aperfeiçoar. Constituem, por fim, uma sólida base de trabalho para futuras ações de formação (inicial ou de atualização) de especialistas de identificação de vítimas de catástrofes e para fundamentar a aquisição de novos materiais e equipamentos.
Tal como em todas as áreas, também nesta a inovação é permanente. Daí que algumas forças e serviços de segurança com atribuições na área da investigação criminal tenham começado a recorrer aos drones. Por cá, quando a temática da utilização destes equipamentos por parte das forças e serviços de segurança começou a ser debatida levantou-se, desde logo, um coro de indignação, sobretudo por desconhecimento das suas potencialidades e das vantagens que daí podem advir para a investigação criminal.
Pois, no que diz respeito à fixação da cena do crime (sobretudo à superfície, no exterior e em grandes áreas) ou de um
cenário de catástrofe permite uma visão geral das mesmas sem recurso a meios muito mais onerosos (v.g avião ou helicóptero) e a atuação em ambientes adversos (v.g. NRBQ). Estas mais-valias já estão a ser aproveitadas por outras forças, designadamente por uma força de segurança de natureza militar, a Gendarmerie Nationale de França, a qual desenvolveu um protótipo mercê do recurso a fundos estatais e a técnicos pertencentes às suas fileiras, esperando-se que dentro em breve passe a dispor de um segundo equipamento desta natureza.
Entretanto por cá, continua-se à espera de um financiamento da União Europeia para que a Polícia Judiciária possa adquirir equipamentos para escutar as comunicações efetuadas por Viber ou Skype, o que atualmente lhe está vedado por não os ter à sua disposição. Trata-se de uma postura muito lusitana que o senhor General Gabriel Augusto do Espirito Santo muito bem retrata num artigo publicado na Revista Militar, intitulado as Resistências em Portugal à Revolução Militar Quinhentista, de uma forma muito especial quando alude a Cristóvão Leitão e à forma como foi tratado.
Pedro Murta Castro
Discussão
Ainda sem comentários.