Numa audição efetuada na Assembleia da República em janeiro deste ano, foi referido pelo pelo então presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e pelos membros do Conselho que a linha de apoio ao cidadão idoso da Procuradoria-Geral da República recebe cerca de 3.000 queixas por ano, onde os “maus tratos em família e instituições” são a quinta razão de queixa mais comum, e os “maus tratamentos em lares de idosos” a sexta. Um estudo conduzido pela socióloga Ana Gil, em 2014, conclui que o cônjuge/companheiro é o grande protagonista de violência física (49,5%). Seguem-se os filhos (30%) e as filhas (8,9%). A agressão também pode ser perpetrada por noras/genros (3%) ou outros familiares (5%), nomeadamente netos (2,3%) ou netas (0,2%).
O Conselho de Europa considera como maus tratos a idosos “todo o ato ou omissão cometido contra uma pessoa idosa, no quadro da vida familiar ou institucional e que atenta contra a sua vida, a segurança económica, a integridade física e psíquica, a sua liberdade ou que comprometa, gravemente, o desenvolvimento da sua personalidade”. As consequências para os idosos são arrasadoras, incluindo a diminuição da qualidade de vida, o aumento dos níveis de stress, a sensação de insegurança e impotência, os problemas de saúde e o aumento da mortalidade e morbilidade.
Este comportamento está tipificado no nosso Código Penal, sendo amiúde os nossos tribunais chamados a pronunciar-se sobre situações desta natureza. Num Acórdão de 12/10/2016, o Tribunal da Relação do Porto decidiu que:
- “O crime de violência doméstica, do art. 152.º, do Cód. Penal, é um crime de resultado que pode ser cometido por omissão, traduzida na não prestação dos cuidados necessários de que a vítima carece e que leva à verificação do resultado típico: infligir maus tratos.
- O bem jurídico (complexo) protegido pela incriminação abrange o bem-estar necessário à vida pessoal, traduzido na manutenção de um ambiente propício a um salutar e digno modo de vida.
- Na relação sobrinho/tia não existe dever jurídico de garante; no caso dos autos, também não existe um dever contratual de assistência nem uma situação de ingerência [apesar de viverem na mesma casa, o sobrinho não assumiu uma posição de controlo nem existe uma real dependência que leve a tia a apoiar-se nele para a satisfação das suas necessidades (posição de dependência)] – pelo que, quanto a ela, a conduta do arguido é atípica.
- Pratica o crime de violência doméstica, o filho que, podendo, não presta ao pai a assistência adequada ao seu estado físico e mental, conduta que se traduz na ausência da prestação de cuidados alimentares, de cuidados de higiene pessoal, de limpeza da casa e na promoção de uma situação de abandono”.
Sobre este tema, Mauro Paulino e Miguel Rodrigues publicaram recentemente um livro intitulado “Violência Doméstica – Identificar – Avaliar – Intervir”, contendo “tudo o que pode ser importante na abordagem a um tema que ocupa cada vez mais as primeiras páginas de jornais e as aberturas de telejornais”.
Para terminar, é de salientar que entre 2005 e 2015 o número de idosos aumentou em mais de 316 mil e o número de jovens até aos 15 anos sofreu uma quebra de 208 mil, sendo Portugal o 4º país da UE com maior proporção de idosos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) receia que este aumento, associado a uma certa quebra de laços entre as gerações e com o enfraquecimento dos sistemas de proteção social, venha a agravar as situações de violência. Logo, a questão dos maus tratos a idosos, cada vez mais, além de tudo o que já foi levado a cabo, tem de ser alvo de uma abordagem profunda, de onde resultem medidas de combate e de cariz preventivo.
Manuel Ferreira dos Santos
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