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Investigação Criminal, Justiça, Segurança

Catalisadores, armas brancas e agressões

1. Como referimos num artigo  escrito há uns meses, o furto dos catalisadores está intimamente ligadoCatalisador aos preços dos seus componentes (paládio, platina, ródio), bem com ao facto de alguns profissionais menos escrupulosos instalarem os equipamentos furtados noutras viaturas. Depois não podemos perder de vista que a justiça portuguesa é tradicionalmente lenta e benevolente, arriscando-se a vítima a sair da sala de audiências com o sentimento de culpa pelo facto do seu carro ter um equipamento com metais tão valiosos, sendo o arguido mandado à sua vida com uma pena suspensa simbólica porque não tem antecedentes criminais e está bem inserido socialmente.

Recentemente foram detidos na zona centro diversos suspeitos que se dedicavam a esta atividade. Desta feita, a opção da Justiça não se ficou pelas apresentações periódicas ou por um simbólico termo de identidade e residência, colocou 13 dos 21 detidos em prisão preventiva. Esperamos que noutras situações idênticas se siga este exemplo, para que de uma vez por todas, a comunidade sinta que se está a fazer algo (prevenção geral e especial) para debelar esta praga. Acresce que a comunidade também deve adotar medidas preventivas que contribuam para dissuadir a prática do ilícito, tal como as forças e serviços de segurança devem delinear estratégias para lidar com o fenómeno à semelhança do que tem feito noutras situações. 

2. A utilização de armas brancas para a prática de crimes tem sido notícia frequente nas secções criminais dos órgãos de comunicação social:

A este propósito, o Tribunal da Relação de Lisboa, num Acórdão de 15/03/2022, decidiu o seguinte:

“Na sequência da alteração da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico das Armas e Munições) pela Lei n.º 140/2019, de 24 de Julho, a detenção de uma faca de cozinha com lâmina de 19 cm, fora do local do seu normal emprego, não justificando o respectivo portador a sua posse, constitui o crime p. e p. no art. 86.º, n.º1, al. d) e 3, n.º 2, al. ab), da mencionada Lei”.

Ainda no âmbito das armas brancas, o Tribunal da Relação do Porto, num Acórdão de 16/02/2022, decidiu que:

“I – No regime legal em vigor as facas borboletas, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões são sempre consideradas armas proibidas independentemente da extensão da respetiva lâmina.

II – Se a perigosidade de outro tipo de facas se encontra na lâmina e respetiva capacidade perfurante, sendo por isso relevante o seu comprimento, no caso da faca borboleta, instrumento que aqui nos ocupa, a perigosidade está nas suas características específicas e facilidade de manuseamento. Como se refere na al. av) do nº 1 do artº 2º da Lei nº 5/2006, faca borboleta é “a arma branca, ou instrumento com configuração de arma branca, composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido longitudinalmente em duas partes também articuladas entre si, de tal forma que a abertura da lâmina pode ser obtida instantaneamente por um movimento rápido de uma só mão”.

III – A faca borboleta apreendida à recorrente, sendo inequivocamente uma “arma branca” – expressão que abrange todo um vasto conjunto de objetos ou instrumentos cortantes ou perfurantes, normalmente de aço – não é – pelo menos não foi alegado nem resultou provado que o seja – uma arma com disfarce.

IV – A Lei n.º 5/2006 de 23.02, no seu esforço de apresentação de definições legais, veio clarificar (e ajudar na compreensão de conceitos que já eram utilizados pela jurisprudência, no domínio do regime legal anterior) que uma navalha de ponta e mola ou uma faca borboleta, não são, necessariamente e por definição, armas com disfarce. Com efeito, no art. 86.º, n.º 1, alínea d), daquele diploma legal, faz-se a distinção entre “arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto” – que corresponde, a nosso ver, à anteriormente designada de “arma branca com disfarce” -, a “faca de abertura automática” – que é a ponta e mola de acordo com a definição do artigo 2.º nº 1 alínea ax) da mesma Lei – e a “faca de borboleta”, definida na sua al. av) criminalizando-se, nos termos aí descritos, a detenção de todas elas, o que parece inculcar que o legislador nunca terá considerado que a ponta e mola ou a faca de borboleta fossem, por mera definição e sem necessidade de mais indicações, armas dissimuladas, ou seja, com disfarce.

V – Também o artigo 3.º n.º2 da mesma Lei, ao indicar as armas, munições e acessórios da classe A, distingue, na alínea d), as “armas brancas ou de fogo dissimuladas sob a forma de outro objeto”, das “facas de abertura automática” – que são as ponta e mola -, que surgem indicadas, tal como as facas de borboleta, entre outras, na alínea e) do mesmo normativo. A dissimulação sob a forma de outro objeto corresponde (numa definição descritiva) ao que antes se designava de “disfarce”, quando a alínea f) do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 207-A/75 se referia a “armas brancas ou de fogo com disfarce”.

VI – Para que a arma branca em questão pudesse ser considerada uma arma com disfarce seria necessário que da matéria de facto provada resultasse que a faca em causa estava apetrechada com qualquer artifício ou mecanismo que a dissimulasse sob a forma de objeto distinto ou com diferente utilização”.

3. Não poderia terminar sem mencionar que na vila de Cuba, quatro cidadãos, certamente com fraca consciência do que implica a vivência em comunidade, da cidadania e dos direitos e deveres conexos, agrediram dois militares da Guarda Nacional Republicana (GNR). Mais um lamentável episódio que se vem juntar a tantos outros e que resulta, como escreveu António Galamba, da “sistemática desvalorização pública e judicial da violência, verbal e física, a par da deficiência da formação individual e consciência de integração comunitária”. Apesar de todos estes sintomas, a terapêutica aconselhada passa por um “reforço significativo da formação dos polícias em direitos fundamentais”, fazendo-se tábua rasa de tudo o resto.

Sousa dos Santos

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