I
Os órgãos de comunicação social transmitem com bastante frequência, infelizmente, notícias sobre a perpetração de crimes de violência doméstica e da sua associação a armas da mais diversa etiologia.
Trata-se de um crime que não distingue sexo, idade ou estrato social. Embora incida na maior parte dos casos sobre o cônjuge feminino, namoradas, crianças e idosos.
A propósito da utilização de armas, num Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, decidiu-se que:
- A titularidade de licença de uso e porte de arma não tem a virtualidade de, pela simples razão de existir, afastar a declaração de perdimento a favor do Estado do objecto atinente.
- Para o efeito referido, relevante é a perigosidade, reportada ao objecto em causa e às concretas circunstâncias do caso.
- Revelando-se a prática de um crime de violência doméstica, por referência, inter alia, aos seguintes factos: (i) o arguido consome bebidas alcoólicas e, quando o faz, fica mais agressivo e violento; (ii) pese embora tal situação tenha piorado nos últimos anos, desde o início do casamento que o arguido começou a ter um comportamento agressivo para com a ofendida, molestando-a fisicamente, discutindo frequentemente com a mesma, controlando o que ela fazia, ameaçando-a e injuriando-a; (iii) nesta sequência, e por um número indeterminado de vezes, em circunstâncias de tempo e lugar não concretamente apuradas, o arguido molestou fisicamente a ofendida, desferindo-lhe murros e pontapés, puxando-lhe os cabelos e constrangendo-lhe a zona do pescoço com as mãos, ameaçou-a de morte, dizendo-lhe que tinha duas armas e que lhe dava um tiro (…).”, existe sério risco de o arguido utilizar as armas apreendidas para o cometimento de novos factos ilícitos típicos de idêntica natureza e, consequentemente, é adequada a declaração de perda desses objectos.
II
Nalguns casos as situações de violência resultam da não-aceitação do fim de um relacionamento, o que muitas vezes desemboca em situações trágicas como aquela que ainda recentemente ocorreu no Pinhão. Por vezes, a agressão é precedida de uma prolongada perseguição, efetuada de forma insistente e obsessiva que se consubstancia na prática do denominado stalking. Neste âmbito, num recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto refere-se que:
- O crime de Violência doméstica é um crime de perigo abstrato, que traduz uma tutela antecipada do bem jurídico protegido. Não é, pois, necessário, para que se verifique o crime em questão, que se tenham produzido efetivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima; basta que se pratiquem atos em abstrato sucetíveis de provocar tais danos.
- Pode enquadrar-se no crime de Violência doméstica a conduta que se reveste das notas caraterísticas do chamado stalking, isto é, uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento.
III
Por fim, quero dar nota que segundo o último Relatório de Segurança Interna, em 2014, o crime de violência doméstica manifestou uma tendência de subida, ao que não será alheio o contexto social em que nos encontramos mergulhados.
Contudo, quero alertar que tal como na restante criminalidade, a situação deverá ser muito mais grave, porque à semelhança do que já referi noutras ocasiões, os dados resultam de estatísticas criminais, ficando de fora as cifras negras e cinzentas, o que só será possível ultrapassar com recurso a outros instrumentos (e.g. inquéritos de vitimação) cuja implementação tarda, talvez porque assim dê mais jeito.
J.M.Ferreira
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