A semana [1] que passou ficou marcada por uma sucessão de tempestades: umas de chuva, outras de indignação. Portugal enfrentou o mau tempo literal e o simbólico, inundações nas ruas e turbulência nas instituições.
O país chorou a morte de um militar da Guarda Nacional Republicana (GNR) na sequência de uma operação antidroga no Guadiana. As reações sucederam-se: o Presidente da República apelou à “honra” de quem serve, os sindicatos exigiram respeito e a ministra da Administração Interna prometeu medidas. Mas, no fundo, paira no ar uma sensação de desgaste e que o Estado já só reage em modo de emergência.
A exaustão institucional sente-se também na Justiça. O caso Ivo Rosa voltou às manchetes, reabrindo o debate sobre a independência dos magistrados e a confiança pública no sistema. Enquanto isso, o Ministério Público passou mais de uma semana sem acesso a processos digitais nos Tribunais Administrativos e Fiscais, um episódio que seria quase cómico, não fosse trágico, num país que há anos promete “digitalização da justiça”. A Operação Lex, as buscas à KPMG e ao Novo Banco completaram o retrato: um sistema judicial lento, sobrecarregado e vulnerável ao descrédito.
Longe dos tribunais, a vida decorreu entre crimes e cheias. As notícias multiplicaram-se: homicídios em Sintra e Setúbal, assaltos violentos, casos de abuso e sequestros. Ao mesmo tempo, foram relatados vários casos de abuso sexual, violência doméstica e exploração de menores.
Paralelamente, a chuva chegou em força. Todos os distritos continentais estiveram sob aviso amarelo. As ruas de Lisboa, Oeiras e Faro ficaram submersas, numa repetição quase ritual do que acontece todos os outonos. Como se o país tivesse aceitado viver num ciclo de emergência permanente, entre crimes anunciados e cheias inevitáveis.
No plano político, o Governo aprovou a subida da idade máxima de ingresso na Polícia de Segurança Pública (PSP) para 35 anos e aboliu o requisito da altura mínima. É uma medida pragmática, mas que evidencia a dificuldade em atrair recursos humanos. A crise nas fileiras das Forças de Segurança é, afinal, mais profunda do que a simples falta de candidatos: é o reflexo de uma desmotivação estrutural num país que pede muito e paga pouco a quem satisfaz as necessidades de segurança dos cidadãos.
Entretanto, a imigração voltou ao debate. A Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), sucessora do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), continua sem rumo nem voz. Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que “é fácil fomentar a insegurança” com o tema, uma observação certeira num tempo em que o medo se converte rapidamente em argumento político.
No mundo, o caos não foi menor. O furacão Melissa devastou a Jamaica e deixou um rasto de destruição nas Caraíbas. A guerra na Ucrânia entrou numa fase paradoxal: Moscovo falou em cessar-fogo enquanto Zelensky ordenava novos ataques. E, do outro lado do Atlântico, Donald Trump anunciou a retoma dos testes nucleares, sinal de que a retórica da Guerra Fria voltou a pairar sobre o planeta.
Entre as ruínas e as promessas, o mundo parece caminhar com pressa mas sem direção. O mesmo se pode dizer de Portugal. Há uma fadiga coletiva que atravessa as instituições e as ruas. Chove nos telhados e chove no Estado. A morte de um militar da GNR, as sirenes das ambulâncias, o ruído das cheias e o som dos protestos fazem parte da mesma banda sonora: a de um país que resiste, mas já sem grande fôlego.
No fim, resta a sensação de que a segurança física, social e democrática é o bem mais frágil da nossa época. E que, talvez, o verdadeiro estado de alerta não seja meteorológico, mas civilizacional.
J.M.Ferreira
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